Nos dias que correm… andamos sempre a correr!
Parece uma forma simplista de dizer as coisas, mas talvez não seja por acaso que temos esta expressão divertida. Ou talvez não seja assim tão divertida como isso.
[shashin type=”photo” id=”1604″ size=”small” columns=”max” order=”user” position=”left”]Lembro-me de quando tinha os meus inocentes quinze aninhos que estava sempre a pensar em projectos para fazer. Nessa altura, não estava na moda (como hoje em dia!) ter as criancinhas fora de casa o dia todo, para os pais não terem de se preocupar com elas. Tinha só um ou outro dia aulas à tarde. Por isso só ia para o liceu de manhã, vinha almoçar a casa e depois tinha a tarde para fazer os TPC e para me divertir como queria. À noite via-se um pouco de televisão (nunca fui grande fã; haviam muito poucas séries de que realmente gostava) e depois havia mais tempo livre para fazer outras coisas. No meu caso, dividia quase todo o tempo à frente do computador (tal como hoje!), a escrever romances, e com uns jogos de papel-e-lápis que requeriam muita imaginação (contar histórias!) e preparação, para depois jogar com um grupo de amigos aos sábados. Já nessa altura achava que o tempo não chegava para nada. Então tinha um caderninho onde apontava todas as ideias que tinha, para depois, «nas férias», poder tratar desses projectos.
Mas chegavam as férias (em que irremediavelmente ficava doente…) e desapareciam num ápice. Os projectos acumulavam-se. Bom, pensava eu, mais cedo ou mais tarde acaba-se o liceu, depois começa a universidade, nessa altura os universitários tinham imensos meses de férias e pouco que fazer, pelo que seria provavelmente fácil voltar aos projectos antigos, à espera de serem realizados. E realmente no primeiro ano consegui dar bastante avanço nalguns deles! Pois o 12º ano, no meu caso, acabava em Maio, e as aulas na faculdade só lá começavam para meados de Outubro, pelo que foi quase meio ano de férias, em que me dediquei com afinco à maioria dos projectos, muitos dos quais com 3 e 4 anos de «antiguidade»…
Mas claro que foi sol de pouca dura. O trabalho na faculdade começou a apertar, e eu queria mesmo acabar o curso em cinco anos. Pensava eu que depois disso iria ter um trabalho das 9 às 5, e, como tal, muito tempo livre depois do emprego — como toda a gente que conhecia que estava a trabalhar. Então foi com entusiasmo que me despachei do curso o mais depressa que consegui e com o mínimo de cadeiras possível (muita gente, ainda hoje, se pergunta como é que consegui acabar com tão poucas cadeiras!). E nos primeiros meses do primeiro emprego que tive, num laboratório de investigação, consegui, de facto, dar andamento a vários projectos… que agora já tinham 8 e 9 anos de existência. Mas não consegui fazer muito. Foram sempre aparecendo coisas para fazer. Descobri então que quanto mais cedo chegava a casa, mais me arranjavam para fazer, pelo que passei a ir muito mais tarde, fazendo horas extraordinárias, e aproveitando o tempo no próprio local de trabalho para lidar com os meus projectos pessoais. Afinal de contas, tinha por lá um computador (e pouco tempo depois acesso à Internet, coisa que não tinha em casa).
Claro está que pouco tempo depois mudei de emprego. E aconteceu uma coisa curiosa. Passei a reparar que, na minha área profissional, ao contrário de muitas outras, o trabalho nunca termina. Isto não é fácil de explicar, pois a maioria das pessoas tem empregos com uma duração limitada. Uma caixa de supermercado trabalha X horas por turno, mas quando o turno termina, vai para casa. Um médico atende X doentes por dia, mas quando os atendeu a todos, já não tem nada nesse dia para fazer. Um arquitecto ou um advogado podem ter trabalhos com mais duração — tendo de trabalhar em casa, durante a noite, etc. para cumprir prazos — mas uma vez entregue o trabalho, não tem mais nada para fazer (excepto aceitar o próximo trabalho).
Na minha área de informática, infelizmente, as coisas não são assim. O trabalho «nunca está pronto»: há sempre mais qualquer coisa a fazer, a ajustar, a melhorar… por exemplo, um site Web. Não basta dizer que «está pronto» e entregar ao cliente. Há erros a corrigir. Há manutenção a fazer. Há upgrades que são necessários, por questões de segurança. Há optimizações a fazer quando o site fica lento. Isto requer que se esteja constantemente a voltar ao site e a ver o que se passa com ele e a melhorá-lo continuamente (até o cliente desistir dele…). Em muitas outras das minhas tarefas, é isso que se passa constantemente.
Também existe, no meu trabalho, uma completa incapacidade de previsão com exactidão do tempo que as tarefas podem levar. Por exemplo, instalar um servidor com uma aplicação para um cliente. É uma coisa que pode, regra geral, levar meia hora. Mas depois «acontece» um problema qualquer: uma versão que pode não ser exactamente a que se estava à espera, ou um componente do servidor que funciona de forma ligeiramente diferente, ou uma parte da aplicação que não é totalmente compatível com outra, e que nada disso estava previsto na tal «meia hora» de trabalho. Pode levar horas a resolver. Ou dias. Ou, às vezes, semanas. É claro que isto são excepções à regra, e alguém com muita experiência saberá lidar com essas excepções, e até contabilizar o tempo esperado para as mesmas, mas na verdade é impossível de fazer uma estimativa exacta. É como uma operação cirúrgica «de rotina»: em 90% dos casos, os cirurgiões sabem que dura uns 20 ou 30 minutos. Mas de repente algo corre mal: uma artéria que se desfaz inesperadamente, e que, na sala de operações, com o paciente a entrar em paragem cardíaca, tem de ser remendada de imediato. A operação «de rotina» subitamente leva 4, 6, ou 8 horas — e depois requer um outro tipo de acompanhamento posterior: já não foi «rotina» mas sim uma circunstância excepcional, um imprevisto.
Quando se lida constantemente com imprevistos — é a minha especialização! — isto cria condições complicadas de trabalho. Em mais de quinze anos a trabalhar nesta área, habituei-me a não ter rotinas e a não fazer grandes planeamentos da minha vida pessoal. Todo o tempo que estiver acordada é dedicado a resolver problemas, no menor espaço de tempo possível. Mas isto significa, muitas vezes, abandonar completamente qualquer capacidade de planear o meu tempo livre e de lazer. Durante muito mais de uma década que não me preocupei muito com isto, pois não tinha ninguém que me constrangia o tempo — podia irritar alguns amigos e familiares por ter de chegar atrasada a um jantar, ou à última da hora cancelar uma ida ao cinema ou a um concerto, mas era mesmo assim, nada a fazer.
Claro que esta área tem também as suas vantagens. Quando se estima tempo para «o pior caso possível», quando as coisas correm melhor do que se estava à espera, fica-se com algum tempo livre. Muitas vezes passei uma semana inteira a trabalhar mais de 20 horas por dia, mas depois «compensava» porque nas semanas seguintes podia não ter muito que fazer (excepto verificações menores, aqui e ali, de que tudo estava a correr bem). Isso dava-me alguma liberdade para poder descansar e relaxar nessas fases de trabalho menos intenso. Lembro-me sempre de uma máxima citada nos filmes de polícia e de militares: «para um polícia/militar, passa-se o tempo todo à espera que algo aconteça, para depois, em minutos, ter imensa acção». Bem sei que é apenas uma citação dos filmes e das séries de TV, mas aplica-se bastante à minha área de trabalho, que normalmente implica horas e horas seguidas de trabalho muito intenso, para depois ter uns dias comparativamente mais calmos. Calmos, sim, mas não «vazios» de trabalho: é apenas menos intenso, o suficiente para conseguir dormir descansada umas 6 horas e comer as refeições a horas 🙂
O melhor período da minha vida foi o último semestre de 2004. Nessa altura estava longe da minha residência habitual numa cidade em que não conhecia ninguém, e tinha apenas uma avença com um cliente, cujas tarefas realizava todas por tele-trabalho, e estava apenas em part-time com um salário miserável. Mas a minha mulher conseguiu um excelente emprego nessa altura, em que trabalhava das 9 às 5 durante a semana. Isso foi óptimo para mim! Acordava à mesma hora que ela, fazia-lhe o pequeno-almoço, e depois tratava da lida da casa — uma a duas horas a limpar a casa e a passar a roupa a ferro. Depois via as tarefas do meu cliente que tinham sido atribuídas para esse dia; normalmente não eram assim muitas. O resto do tempo dedicava-o a projectos pessoais, há muito negligenciados. Um pouco antes das 5, ia a pé ter com a minha mulher ao emprego dela, fazíamos as compras que fossem necessárias, e voltávamos para casa. Ela ia relaxar, jogando no computador, e eu voltava aos meus projectos pessoais. Jantávamos com calma e eu continuava a lidar com os meus projectos. Resultado: nunca consegui dar tanto «avanço» a coisas pendentes! Envolvi-me em dezenas de projectos interessantíssimos que me ocupavam horas e horas; estudava imenso porque tinha tempo para isso; e não havia stress nenhum. No fim de semana íamos visitar uma tia dela num dos dias, mas o resto do tempo era passado também a lidar com projectos pessoais. Era uma maravilha! Tenho imensas saudades desses tempos, pois apesar de inicialmente termos tido sérios problemas económicos, a dada altura tudo se resolveu, e a partir daí, foi para mim o Paraíso em termos de produtividade 🙂 Tanto foi assim que me lembro que de vez em quando aceitava um projecto que me ocupava completamente por 15 dias, só pelo prazer de poder «trabalhar intensamente» por um bocadinho (e esses projectos eram bem pagos; pena é que fossem raros…).
Depois a minha mulher perdeu o emprego e tivémos de voltar à nossa residência habitual. Foi também nessa altura que me «revelei» como Sandra. A início as coisas não estavam lá muito intensas em termos de trabalho e de escassez de tempo — ela não arranjou nada que fazer durante uns meses, mas também não se chateava muito com isso. Depois arriscámos montarmos juntos uma empresa nova ao fim de uns tempos (que a início correu bastante bem) e as coisas estavam bem equilibradas: ela tinha também que passar muito tempo a trabalhar, por isso eu tinha tempo para tudo e mais alguma coisa. Não era tão bom como dantes, mas era mesmo assim muito razoável. E pelo menos do ponto de vista económico estávamos um bocadinho melhores.
Segue-se a crise… mas primeiro esta fez-se sentir a nível de saúde. Por causa de uma doença incurável, a minha mulher deixou de poder trabalhar, mas também não tem direito a qualquer subsídio — significou que voltámos, uma vez mais, à situação de vivermos no limiar da pobreza definido para Portugal. Felizmente tive sorte de conseguir uma bolsa de estudo — não que pague bem, mas pelo menos é uma entrada de dinheiro regular (pelo menos durante uns tempos), já que com a crise financeira os clientes deixaram de me pagar a tempo e horas (é normal só me pagarem ao fim de 9 ou 10 meses). Mas as coisas complicaram-se mais em termos de tempo. A partir desta altura, passei a ser enfermeira e motorista da minha mulher, tendo de a levar constantemente a médicos e a comprar medicamentos. Como ela agora já não trabalha, aborrece-se imenso (embora não o admita!), e a forma dela lidar com o aborrecimento é preencher os dias com tarefas que eu tenho de desempenhar constantemente para a distrair. Por exemplo, em vez de ir às compras uma vez por semana, como fazem as pessoas normais, ela decide «subitamente» que lhe apetece ir passear um bocadinho, e, com o pretexto que falta comprar uma cebola ou uma alface, lá a tenho de levar a passear. Depois, chegando a casa, pego no trabalho (atrasado…) até ela se lembrar «subitamente» que era uma boa ideia limpar a casa. Ou que eu tratasse de meter a louça na máquina. Ou que telefonasse à minha cunhada para tratar de uma coisa qualquer. Resultado: desde então, a minha vida é uma sucessão de interrupções constantes, totalmente imprevisíveis, das quais eu tomo conhecimento apenas minutos antes de acontecerem, e tornando completamente impossível qualquer capacidade de planeamento.
Isto para muitas pessoas é incompreensível. Como consigo trabalhar então, se nunca sei quantas horas — ou minutos! — vou ter disponível em determinado dia? A resposta é: com muita dificuldade. É só graças a um esforço sobre-humanos, cortando no sono e no descanso, que consigo, nos momentos em que a minha mulher está a descansar, «atacar» o trabalho em atraso, mas raramente chega. Como ela pode adormecer a qualquer hora do dia ou da noite, nunca sei quando é que vou ter tempo para acabar as coisas que tenho de entregar. Passo mais tempo a pedir desculpa por não conseguir cumprir prazos do que a trabalhar para os cumprir.
Infelizmente, por defeito profissional, tenho bastante dificuldade em trabalhar num projecto concentrada durante 20 minutos, depois largar tudo, e recomeçar ao fim de umas horas quando volto a ter tempo. Na realidade o que acontece é que posso perder 20 minutos só a ver em que ponto é que estou em determinado projecto, e depois — zás! — lá sou obrigada a fazer qualquer coisa, tipo ir comprar medicamentos ou ir comprar uma alface ou um maço de tabaco. E isto pode acontecer às 8 da manhã como pode acontecer às 22h da noite — sem regras, sem rotina, sem qualquer previsibilidade, sem qualquer planeamento. Posso ter organizado toda a minha vida para acabar uma coisa, por exemplo, na 3ª feira, para ela começar logo o dia pela manhã a dizer que é preciso fazer X ou Y e que tenho de a levar a Z ou falar com K, e depois arrumar isto, limpar aquilo, e mais sei lá o quê. Chegam as 2 da madrugada de 3ª feira quando consigo finalmente pegar no trabalho atrasado. Lá se foi o prazo. E pior que isso, já não sou jovem, e com 43 anos de idade já não consigo fazer directas atrás de directas (na realidade, não me dou muito bem com directas; tenho pelo menos de dormir umas horinhas para recuperar). E nem sequer consigo manter-me concentrada após um dia exausto a fazer «coisas da treta» (que cansam-me muito mais do que passar uma dúzia de horas ao computador), e a verdade é que à noite já não tenho cabeça para essas coisas.
Em Janeiro passado fui fortemente criticada pela minha «preguiça» (não interessa por quem, mas desta vez não foi a minha mulher, foi alguém que considera que eu estou «sempre disponível porque não tenho nada que fazer»). Um pouco envergonhada, decidi então, pelo menos uma vez por semana, só dormir duas horas para pelo menos estar disponível nesse dia para essa pessoa. Consegui aguentar quatro meses; depois foi o colapso total do sistema nervoso. Porque a verdade é que já não tenho idade para essas brincadeiras. Tive de voltar atrás com a minha palavra e com o meu compromisso, e enfrentar agora o estigma de alguém que «passa todo o tempo a dormir e nem sequer tem tempo para os amigos». É profundamente injusto, mas é assim.
Como agora raramente consigo entregar aquilo a que me comprometi a tempo, gozo da fama terrível de não ter consideração para com ninguém, pois tudo o que me pedem, não consigo fazer. Estão constantemente a berrar comigo, a dizer para deixar-me de preguiças e «acomodamentos», para dormir menos e menos, e «fazer um esforço». Isto já me conduziu a uns breves momentos de depressão ligeira, que já não tinha desde Junho de 2004, pois estava cansada e frustrada de não conseguir controlar o meu tempo, e estar constantemente a decepcionar toda a gente. Se tiro umas horas para descansar, porque a exaustão agora é constante, sou imediatamente censurada — nem que seja com o olhar desaprovador. Os meus amigos dizem que eu «nunca soube realmente organizar o meu tempo e que me estou sempre a queixar». Já nem posso comentar isso com ninguém, porque sou imediatamente vítima de desaprovação — até dos meus pais, quando tenho de lhes pedir desculpa por não poder ir almoçar com eles.
Aos poucos, tive que começar a abandonar tudo o que fossem projectos pessoais — escrevo bastante, não é só neste blog, mas sempre que aparecia um artigo num dos outros sites, era logo uma chuva de comentários: «pois, para fazeres o teu trabalho, estás quieta, mas para escreveres, estás sempre disponível!» Mal sabem que o pouco tempo que me resta para actividades é dividido em fracções minúsculas do tempo, e que nos tempos áureos, em 2004, escrevia talvez dois ou três artigos por dia. Agora levo semanas, escrevendo uns minutos aqui e ali. Mas quando o artigo sai, parece que não fiz mais nada senão escrever. E quem escreve artigos é porque não tem nada que fazer. O facto das pessoas que mais me criticam passarem horas intermináveis a verem jogos de futebol na TV ou a jogar na PlayStation com os filhos é irrelevante. Eu não tenho nem TV, nem PlayStation. Nem ouço música. Não vou ao cinema, a não ser uma vez por ano. Gosto muito de música barroca mas é raro o ano a que posso ir a um concerto. Não faço férias porque não tenho dinheiro Nunca me lembro de quando é que é feriado porque para mim os dias são todos iguais; não há «fim de semana» ou «dias úteis», é tudo a mesma coisa para mim. Na semana passada estava a pensar «desmarcar» o meu aniversário porque não me dava jeito festejá-lo nesse dia, mas infelizmente não dá para adiar um aniversário: para além de todas as tarefas diárias que me impõem todos os dias, ainda tive de perder tempo com um almoço.
Chega ao ponto que já estou aterrorizada porque tenho de «tirar» uma hora e tal, três vezes por semana, para lidar com os problemas de coluna que tenho, que já são irreversíveis, e que o melhor que posso fazer é praticar natação para fortalecer os músculos: não irá resolver o problema, mas pelo menos impedirá que se agrave muito mais. Mas não tenho nem dinheiro para isso, nem tempo. Ou por outra: tenho de abdicar de ainda mais algum tempo. Tenho de atrasar ainda mais trabalho. Tenho de dormir ainda menos. Tenho de fazer as tarefas diárias ainda mais cansada e exausta. Pergunto-me, pois, até que ponto valerá a pena.
Nalguns trabalhos estou quase atrasada… um ano. É que são coisas que é suposto estar a trabalhar nelas, vá lá, umas seis horas por dia, cinco dias por semana. Já não digo oito horas porque sou capaz de me despachar. Mas é rara a semana que me possa dedicar seis horas na semana a isso, quanto mais seis horas por dia! Ao longo de um mês, talvez consiga ter um ou dois dias — nos meses bons! — em que efectivamente me concedem o privilégio de me deixarem trabalhar seis horas seguidas sem interrupções. Claro que assim as coisas se atrasam, e muito. Em abono da verdade, diga-se de passagem que eu sou muito boa a desempenhar as minhas tarefas profissionais, e por vezes consigo fazer o «milagre» de trabalhar umas vinte horas numa coisa que levariam duzentas horas a outra pessoa: é isso que me safa. Mas nem sempre é possível ter essas vinte horas. Podem passar meses até que as tenha.
A nível pessoal, isto manifesta-se fundamentalmente por não conseguir, de forma alguma, combinar absolutamente nada com os meus amigos e amigas. Não é uma questão de planear com antecedência: é porque os meus melhores planos vão sempre por água abaixo. Por exemplo, tenho previsto uma saída en femme com uma amiga na 5ª feira. Era para ter sido na 3ª até me terem trocado as voltas todas. Parece que na 5ª não tenho nada de terrivelmente urgente para fazer — há algumas coisas que tenho de fazer de manhã, e se cortar com duas horas de sono, consigo fazê-las na perfeição. Mas isso são as coisas que sei que tenho para fazer. O problema é as que não sei. Quando estiver finalmente a fazer a depilação das pernas, podem «exigir-me» qualquer coisa de completamente inesperada. Posso ter de enfrentar a minha mulher com o ar desaprovador do costume a perguntar: «Vais fazer crossdressing hoje? É que estou cheia de dores nas costas e preciso que me compres o medicamento e uma alface. Não podes deixar isso para domingo?» Como se domingo não houvessem coisas para fazer também! Como se não tivesse um prazo de entrega de uns documentos, que termina este fim de semana, e como já passou meia semana e ainda não consegui fazer nada do que queria, não tenha de passar o fim de semana só a trabalhar nisso! Conclusão: embora tema o pior para 5ª feira, o que mais me chateia é que não vou conseguir acabar o que me comprometi a fazer — com meses e meses de antecedência — e vou provavelmente ter de me encher de desculpas uma vez mais. Desculpas à minha amiga na 5ª, desculpas a quem deixei ficar mal com o trabalho comprometido, e desculpas a muitas pessoas, que daqui até domingo, me vão pedir coisas e mais coisas a que não vou poder dar resposta.
Tenho uma outra amiga com a qual me correspondo ocasionalmente por email. Digo «ocasionalmente» não por ela, mas por mim — ela geralmente responde-me ao fim de uns dias, mas eu levo meses a responder. Ela já me perguntou se eu a estava deliberadamente a ignorar por alguma razão. Mas — e isto é muito difícil de acreditar para quem não me conheça — a verdade é que eu recebo mais de quinhentos emails por dia. Não estou a contar com spam — isso leva um segundo a clicar no botão de delete. Não, são mensagens mesmo para ler, e algumas delas a responder. Não estou a contar com os avisos do Facebook, do Netlog, e de trinta e tal serviços a que subscrevo que me informam que «os teus amigos estão à tua procura» ou «escreveram isto e aquilo, porque é que não lhes respondes?» Isso também leva uns segundos a carregar no delete. Não, são mesmo mensagens que tenho de ler. Algumas precisam de resposta, e perco pelo menos duas horas a responder a elas. Nas minhas duas caixas de correio profissionais, tenho 106.200 mensagens para responder. Não são 106; não são 200; são mesmo cento e seis mil e duzentas mensagens que nunca consegui ler porque não tenho tempo. Na caixa de correio da Sandra as coisas estão bem melhores: tenho «apenas» vinte e tal mil mensagens por ler, a maioria das quais só leva um segundo a apagar. Mas se levasse um segundo a apagar todas, uma por uma, levaria cinco horas. E eu não tenho cinco horas livres para me dedicar a uma caixa de correio que tem a ver com uma actividade «inútil» para a esmagadora maioria das pessoas que me conhece (incluindo a minha mulher). É por isso que tantas vezes levo meses e meses a responder a um email. Ou a uma mensagem, mesmo no telemóvel.
O meu pai costuma estar sempre a chatear-me para fazer coisas — telefonar a pessoas, resolver assuntos, etc. E diz sempre: «Isso só leva cinco minutos a tratar! Como podes não ter tempo para isso??» Mas a verdade é que só podemos tratar de uma dúzia de coisas de 5 minutos numa hora. Quando se tem centenas de coisas de 5 minutos para tratar, isso é um dia inteiro (ou dois) só para lidar com essas «coisas de 5 minutos». O resultado é que mesmo uma coisa de 5 minutos acaba, invariavelmente, por ficar por tratar, porque o dia só tem mesmo 24 horas, e todas elas estão preenchidas.
Claro que depois chega a altura em que tenho também de «encaixar» o crossdressing nisto tudo.
De uma certa forma, há uma vantagem. É verdade que perco pelo menos duas horas a arranjar-me, e quase outro tanto a despir-me. Mas enquanto estou vestida, desde que esteja em casa, a verdade é que posso continuar a trabalhar, ou a divertir-me. Estou limitada às saídas (a minha mulher só me deixa sair vestida quando ela já se foi deitar), o que significa que não posso ir ao supermercado ou à farmácia, nem sequer servir de motorista à minha mulher, mas pelo menos não tenho restrições relativamente ao que posso fazer em termos de lida da casa — lavar louça, aspirar a casa, fazer a cama, passar roupa a ferro (que ultimamente não tenho feito) e pendurá-la, são tudo tarefas que posso fazer independentemente de como estiver vestida, pelo que, nesse sentido, não há «conflito». Há conflito, isso sim, quando me arranjam algo para fazer que me obrigue a sair — porque isso a minha mulher não me deixa. Por isso, se for preciso comprar uma alface… lá se vai a sessão de crossdressing. Se a minha mulher, sem eu saber, combinou alguma coisa com a irmã… lá tenho eu de abandonar a ideia de me vestir e em vez disso servir de motorista. Se ela quiser ir tomar um café antes de ir à farmácia — o que pode apenas levar uma meia hora — lá está o dia todo estragado. Essa é a razão pela qual geralmente só me começo a vestir lá pelas 18h, altura em que já consegui — finalmente! — tratar de tudo e mais alguma coisa, e posso gozar um pouco o resto do dia, e a maior parte da noite, estando vestida como gosto.
Mas também é cansativo. Ela não gosta que eu esteja nos webchats, por isso evito fazê-lo. Significa isso que provavelmente até às 3 da manhã não posso fazer grande coisa, apesar de estar vestida desde as 18h (bem, pelo menos desde as 20h, já que levo tanto tempo…). Por isso normalmente fico a trabalhar, mas, como disse anteriormente, a essa hora já estou muito, mas mesmo muito cansada. Às 3 da madrugada a minha mulher vai para a cama, altura em que já não me pede mais nada para eu fazer, e então posso divertir-me um pouco, seja indo dar uma voltinha de carro, seja conversar um pouco nos webchats. Mas a verdade é que a essa hora já estou a morrer de sono; aguento no máximo mais uma ou duas horas, depois começa o longo e penoso processo de me despir… e ir para a cama, já com o sol a nascer, dormir umas horitas, e começar o dia de trabalho — já meio perdido — cheia de dores de cabeça e de sono.
Tanto esforço só para uma ou duas horas de divertimento e prazer (bom, também me divirto a arranjar-me, claro, por isso são umas quatro horas)! Sabe sempre a pouco! Em 2005, as coisas eram bem diferentes: vestia-me logo de manhã e só me despia lá pelas 3 da manhã. Era um dia «em pleno»! Mas isso era porque a minha mulher nessa altura trabalhava o dia todo, e, como tal, não me estava sempre a arranjar coisas para eu fazer…
Algumas minhas conhecidas, que se vestem muito pouco — geralmente só em viagens de negócios ou quando a família toda (menos elas) vai visitar um familiar — provavelmente invejam a minha situação. Afinal de contas, trabalho a partir de casa: podia, em teoria, vestir-me todos os dias. E, na realidade, se eu conseguisse ter uma rotina em que não fosse obrigada a sair de casa excepto a horas muito bem planeadas, isso seria verdade! Mas já começo a sentir desaprovações fortes se me visto mais do que duas vezes por semana. E a verdade é que, ao ritmo actual, duas vezes por semana deixam-me completamente arrasada fisicamente devido ao cansaço extremo. Por isso também tento não abusar muito: ao actual ritmo, é muito difícil de conseguir aguentar mais…
É evidente que todas nós temos os nossos limites de insatisfação. Quem trabalhe das 9 às 5 fica frustrada porque raramente tem tempo sequer para pensar em crossdressing durante a semana, excepto talvez às 6as. ou sábados à noite — o resto do fim de semana é para a família. E há quem trabalhe bem mais do que isso, e que só pode fazer ocasionalmente algum crossdressing nas férias — e isto para os casos em que a família tolere essas sessões. Se não for o caso, ainda pior será.
No meu caso, pelo contrário, na maioria dos dias não preciso realmente de sair de casa, e, à partida, quase todos os dias poderiam ser dias de crossdressing. Tecnicamente, 4as., 6as. e sábados tenho mesmo de saír à noite, porque tenho coisas sempre combinadas e que são, pela sua natureza, inadiáveis. Mas não há nenhum impedimento teórico que não me permita, por exemplo, vestir-me num domingo e só me despir na 4ª depois do almoço, por exemplo. Trabalhando a partir de casa, era apenas uma questão de organizar as coisas melhor.
Bastava a minha mulher ter carta. A doença dela não é tão grave que a impeça de conduzir; e eu não tenho problema absolutamente nenhum que ela saia sozinha! Pelo contrário, adoraria que ela o fizesse! Mas como ela não tem amigas quase nenhumas e só se dá com a irmã e a mãe — que já vê, respectivamente, uma vez por semana — ela não tem prazer nenhum em sair sozinha. Isto se tivesse carta, claro, pois não tem, porque nunca precisou de a ter — tal como o pai, achou sempre gente que lhe servisse de motorista. Não, a questão mesmo é que ela quer que eu saia com ela, independentemente de quão atarefada e atrapalhada de tempo estou — ou da minha necessidade de descansar um bocadinho. Para ela, tal como toda a gente, a minha recusa em sair com ela é meramente uma desculpa para alimentar a minha preguiça!
Isto conduziu a uma situação em que me sinto completamente sufocada de todos os lados, e com a qual tenho tido bastante dificuldade a lidar. É muito difícil saber que se tem de trabalhar 12-16 horas por dia (o que eu gosto de fazer) mas estar-se constantemente a ser interrompida por uma dúzia de pessoas que exige a minha atenção permanente, sem pré-aviso, sem planeamento, mas que tem de ser já, fazendo com que não consiga trabalhar mais do que umas 2 ou 3 horas em vez das 16 que necessito. É muito difícil tentar planear uma semana de trabalho com prazos de entrega e não ter a menor ideia de quantos desses dias vou estar efectivamente a trabalhar e não a fazer outras tarefas que me impingiram; e mesmo que consiga estimar 1-2 dias de trabalho, não sei quantas horas é que estarei a trabalhar por dia. Tanto podem ser 4 ou 6 horas como apenas uma ou duas, o que não vai chegar para nada. É muito difícil planear, para a semana, os pequenos momentos em que posso descansar (ou mesmo dormir!), pois quando mostro sinais de não estar a trabalhar árdua e concentradamente, é altura de imediatamente me pedirem que vá fazer qualquer coisa — «já que não estou a fazer nada». Mas muitas vezes esses «sinais» são mal interpretados. Posso ter de estar a ler livros, documentos, artigos ou relatórios para entregar um projecto: e isso significa que, por uns momentos, não vou estar a escrever furiosamente no teclado. E quando sou interrompida nesse momento, e só posso voltar ao livro ou documento umas horas depois, já não me lembro do que estava a fazer e tenho de voltar ao início… Noutras ocasiões, apesar de não estar a ler nada, posso estar pura e simplesmente a pensar. Parte do meu trabalho é intelectual: é descobrir (ou inventar) soluções. Isso significa, para quem me esteja a observar de fora, que parece realmente que «não estou a fazer nada». Hoje em dia, como já sei que o acto de simplesmente pensar é mal interpretado, tento pensar enquanto estou a escrever alguma coisa ou a mexer no rato… pois isso é «trabalho a sério». Na viragem do século li alguns artigos sobre gestão empresarial segundo os modelos inglês e alemão (que nada, mas absolutamente nada, têm a ver com o português…) e uma coisa que ficou na minha memória é que o trabalho de um gestor deve ser 90% reflexão e 10% acção, pois para a execução propriamente dita, existem outras pessoas. Da primeira vez que li isso, altura em que era directora de uma pequena empresa com uma centena de milhar de clientes espalhados por todo o país, ri-me — pois passava 100% do meu tempo a resolver problemas e não tinha tempo para reflectir de todo!! Obriguei-me a mim mesma a pelo menos dedicar uma hora do meu dia de trabalho (um pouco menos de 10%…) a reflectir um pouco (por vezes com os meus colegas da direcção, outras vezes sozinha), ou, no mínimo dos mínimos, a ler coisas sobre a minha área, mantendo-me a par de soluções para problemas com que tinha de lidar. Pensava eu que esta era a razão principal pela qual se diz que os gestores portugueses são uma porcaria, comparados com os americanos, ingleses ou alemães: é que não nos dão tempo para reflectir no que estamos a fazer.
Embora neste momento preciso não tenha nenhuma tarefa de «gestão» propriamente dita, muito do meu trabalho envolve planeamento, distribuição de recursos, e procura de soluções óptimas para problemas. Isto requer bastante estudo. Ora aqui esbarro com as minhas próprias limitações: como disse, não sou capaz de estudar «um bocadinho», depois interromper para fazer inúmeras outras coisas que nada têm a ver com o trabalho durante horas a fio, e voltar exactamente ao ponto onde estava. Há quem o consiga fazer, mas eu não consigo, por mais que me treine no assunto (estou melhor, por via das necessidades, mas é-me mesmo muito difícil fazê-lo). Por isso lembro-me de uma «regra de ouro» que tinha imposto aos meus colegas em 1999/2000: podiam interromper-me à vontade à tarde, mas de manhã era para estudar, planear, reflectir, e estavam terminantemente proibidos de me incomodar, por mais urgente que fosse o assunto. Na altura iam-me matando 🙂 E acho que só consegui que isso durasse durante uns meses…
Também já tentei impôr essa rotina à minha mulher: propus que me deixasse em paz das 9 às 5, com intervalo para o almoço, de forma a que pelo menos pudesse trabalhar descansada durante uma parte substancial do dia. Depois, às 5, podia chatear-me à vontade. Já tentei isto várias vezes, mas no máximo dos máximos, consegui que ela aguentasse umas duas semanas. Depois voltávamos à rotina anterior, porque haviam sempre coisas que por alguma razão mística que desconheço que não podiam ser feitas às 5 da tarde. Agora as coisas ainda estão bem piores — já não é «uma ou outra coisa, excepcionalmente» mas sim o inverso: muito excepcionalmente, há alguns dias (muito poucos!) em que ninguém me chateia até à hora do jantar…
Há uns anos atrás, fiz um mestrado. Era suposto ter um ano para o fazer. Na realidade, graças às interrupções permanentes, só consegui ter quinze dias para fazer o trabalho de investigação propriamente dito, e, muito mais tarde, perto do prazo final, outros quinze dias para escrever a tese e preparar a sua defesa. Não me orgulho por ter feito o trabalho de um ano inteiro em pouco mais de um mês. Saiu-me do corpo, e o maior problema foi que a investigação estava a correr mesmo muito, muito mal — estava desesperadamente a precisar de muito mais tempo para conseguir «acertar» com o projecto para que conseguisse algum resultado de jeito. Não o consegui de todo. A avaliação não foi má, e na verdade toda a gente ficou contente, menos eu. É que sei perfeitamente que se tivesse realmente tido o tal ano previsto para trabalhar no assunto, teria conseguido completar o projecto a que me tinha proposto, com excelentes resultados — não era tão difícil assim, afinal de contas. Foi na realidade uma vergonha não ter feito um bom trabalho, apesar da boa avaliação. E o mais triste foi ter de aturar, ao longo desse ano, os constantes comentários de «se não fosses tão preguiçosa…» e «já devias reconhecer que não tens capacidade de gerir o teu próprio tempo!»
Digo-o com honestidade… na maior parte das famílias, os casais discutem por causa de tempo ou de dinheiro. É verdade que a nossa situação financeira é uma lástima; vivemos €90 acima do nível de pobreza nacional, o que não dá grande margem — e não estou a falar de dinheiro «declarado» às Finanças para efeitos de impostos (como os médicos e advogados que declaram o salário mínimo mas tiram €5000/mês). Desde que a minha mulher deixou de trabalhar, essa é realmente a totalidade de dinheiro que temos, ainda por cima com toneladas de dívidas que «herdámos» de sócios caloteiros de outros tempos, que só conseguimos pagar a muito custo — muito antes da «crise» ter começado, já tinha ficado sem todos os meus bens: dinheiro, carro(s), casa, e tudo o que tinha poupado, e mesmo assim não chegou, nem de perto nem de longe. Por isso logicamente a questão financeira é um problema. Mas não é normalmente causa de discussão: tanto eu como a minha mulher somos muito poupadinhas, por força das circunstâncias — pode-se viver perfeitamente ao nível de pobreza nacional e não se morrer de fome. Aliás, um problema que eu e ela temos é que temos demasiado bom aspecto e demasiada alegria para acreditarem que sejamos tão pobres; penso que para além dos meus pais, ninguém acredita nisso. O meu irmão e a minha cunhada ganham quatro vezes mais do que nós e estão sempre desesperados com a falta de dinheiro e a pedir empréstimos aos meus pais. Não os culpo por isso, claro, coitados, também vivem acima das suas posses e agora sofrem as consequências. Mas o que eles ganham em três meses dava para nós vivermos confortavelmente durante um ano. É só uma questão de saber abdicar de luxos desnecessários. O problema está em compreender que a maioria desses luxos só trazem mais tarde outros problemas, e o apego que temos aos luxos causa-nos desconforto — há uma certa pressão social para ter sinais exteriores de riqueza, e se não os temos, somos mal vistos, etc. Por isso eles não conseguem mesmo viver com tão pouco. Nós, pelo contrário, não precisamos de luxos nenhuns; o único «luxo» que realmente temos é fumar 🙂 (aos preços de hoje em dia, fumar é mesmo um luxo…)
Não, a minha única causa de discussão com a minha mulher é a minha crónica falta de tempo, que faz com que desaponte toda a gente e que me critiquem ferozmente por nunca conseguir fazer nada nos prazos previstos. Mas de tanto discutir isso acabei por desistir. A posição dela, partilhada por praticamente toda a gente, é que eu sou incapaz de gerir o meu tempo, por isso enquanto eu não mudar de atitude, para quê discutir? Uma vez tendo assente esse ponto, realmente não há mais nada para argumentar. No meu caso, isso significa só cortar mais e mais no tempo de descanso, dormir menos e menos, e fazer o que posso, e desfazer-me em pedidos de desculpas de que não consigo fazer nem mais, nem melhor. Não consigo mesmo. Todas as estratégias que tentei usar falharam redondamente; pura e simplesmente não resultam. Por isso, enfim, que fazer? Discutir é inútil. É um problema que só eu posso resolver porque mais ninguém está minimamente interessado em ajudar-me. E a única solução que tenho, infelizmente, é deixar de estar em contacto com os amigos e amigas, deixar de responder a mails, deixar de escrever em blogs, deixar de descansar, dormir menos, encontrar energia para não adoecer nem colapsar com o cansaço constantemente presente, e aprender a dizer «não» e a desapontar mais e mais pessoas. Só assim consigo ter alguma réstia de esperança de conseguir entregar algumas — poucas — coisas a tempo. Há duas semanas atrás consegui desapontar três pessoas em simultâneo, o que me foi extremamente penoso. Mas para não ser arrastada por uma espiral descendente de stress, frustração e depressão tudo o que posso fazer é ignorar isso tudo. É deixar de me preocupar que me chamem preguiçosa e incapaz de gerir o meu tempo, e aceitar isso mesmo. É deixar de me preocupar em desapontar pessoas, porque isso, daqui em diante, vai ser uma constante. O lado positivo é que as pessoas desapontadas deixarão de contar comigo, e, ao fazê-lo, vão até libertar mais algum tempo em que me poderei dedicar a outras coisas.
Já não é mau de todo.
Por isso, deixo aqui o meu pedido de desculpas a todas vocês a quem já desapontei uma ou outra vez porque não fiz o que prometi. Estou a aprender a deixar de fazer promessas, porque na maior parte das vezes, não as vou conseguir cumprir. É para mim já irrelevante se a culpa é mesmo minha ou se sou meramente vítima das circunstâncias. Para quem ficar desapontado/a com a minha incapacidade de lhe dar atenção, a «desculpa» pouco interessa — o que interessa é se cumpro as minhas promessas ou não, o resto é irrelevante. Pois bem, tenho também de aprender a considerar esse «resto» também irrelevante, e deixar de prometer coisas. Posso prometer apenas que farei o meu melhor: mas na esmagadora maioria dos casos, «o meu melhor» nunca será suficientemente bom para quem espera alguma coisa de mim.
Um beijinho a todas.