Fetiches e incompreensão…

Devo confessar que estou pouco habituada às comunidades online portuguesas (ou frequentadas intensamente por portugueses, como é caso do Netlog). E a razão é simples: parece que estão “congeladas” no tempo e ainda não saíram de 1995/6, altura em que tudo o que estava online era essencialmente pornografia e/ou websites para encontros.

Bom, tudo, tudo, não era… mas era muito 🙂 Ainda hoje em dia, cerca de 20% de toda a Web é dedicada àquilo que os anglo-saxónicos chamam de “conteúdo adulto”. Um em cada cinco sites. É ainda muitíssimo, mas já estamos habituados… e não nos parece tanto.

No fim de semana passado, estava num dos meus sites de webcam chat favoritos, e que tem uma sala para pornografia (claro!) para além de muitas “meninas” que estão disponíveis para todo o tipo de shows a um preço módico de US$2/minuto. Mas… a parte interessante desse site nem é isso. Nas salas “normais” estivémos várias horas a discutir história, religião e política. Horas e horas a fim — com um americano condenado a estar preso em casa uns meses (os tais da pulseirinha), uma tocadora de violoncelo montenegrina que vivia na Alemanha, dois holandeses, uma residente da Estónia, um inglês… e uma portuguesa solitária, eu 🙂 Ocasionalmente apareciam mais pessoas, claro, e ficavam uns minutos à conversa, a trocar opiniões, a discutir pontos de vista, a dar a sua visão pessoal da sua cultura — aprendi que a bolsa de mercados de acções foi uma invenção holandesa, e explicámos ao tal americano em prisão domiciliária que a cidade de Nova Iorque outrora se chamava Nova Amsterdão e que foi vendida pelos holandeses aos ingleses, que depois lhe mudaram o nome — mas que até ao final do século XVIII ainda havia uma vasta colónia holandesa no estado de Nova Iorque.

Provavelmente a maioria das pessoas que por aqui andam, portuguesíssimos de gema, ficariam chocados: “então há gente na Internet que perde tempo nessas coisas?? Afinal de contas, a Internet é só para sexo e contactos sexuais, para quê perder tempo a falar de história??”

É verdade, eu perco o meu tempo nesse tipo de conversas. E “perco” todo o meu tempo nisso. Porquê? Porque a noção da “Internet só para sexo” tinha piada lá por 1997 quando apareceram as primeiras webcams, mas sinceramente, ao fim de dez ou doze anos, a “novidade” esgotou-se para mim. Já não tenho paciência.

No entanto, aqui no Netlog vejo-me infelizmente confrontada com essa visão arcaica das comunidades online todos os dias. Todos os dias lá aparecem uns totós que clicam no meu perfil, nem leêm nada, olham para a minha fotografia, e lá mandam uma mensagem a dizer: “olá, és muito gira! Como te chamas? Onde moras? Que idade tens?” Como se não estivesse lá tudo no perfil, em detalhe minucioso… só falta fotocópia do BI e o Google Maps com indicações. E também em detalhe ainda mais minucioso explico que vivo com a minha cara-metade há 11 anos, em mútua felicidade, e que tencionamos continuar assim por muitas e muitas décadas. E que, obviamente, não tenho o menor interesse em conhecer ninguém ou ir tomar cafezinhos ou planear jantaradas. Tenho o meu círculo de amigos e familiares para isso; e somos todos suficientemente inteligentes para saber ler um perfil até ao fim. Se digo claramente que não estou interessada, para que é que insistem?

A verdade é que as pessoas que vejo por aqui são todas de dois tipos, com raríssimas excepções (talvez uma em cem…): ou uns egoistas profundos (que só pensam em si próprios, e nem lhes passa pela cabeça de que as pessoas possam não querer estar com eles — se eles querem, nós temos de querer também), ou uns coitados frustrados lamuriosos e choramingas, que olham para estas comunidades online como o último refúgio para tentarem desesperadamente encontrar alguém como eles. Muitas vezes até encontram: há muitos desesperados.

Os egoístas ignoro-os, pois é a única forma de o fazer. São os “coleccionistas de amigos online”. Entre duas bejecas e no meio do jogo do Benfica, gabam-se aos amigos de que têm mais de 500 “gajas boas” no perfil como “amigas”. Enfim. É mais uma forma de gabarolice, como qualquer outra. Provavelmente nem conseguem ter uma conversa inteligente por mais de cinco minutos com qualquer uma dessas 500 “gajas boas”. Mas nem querem. Para quê? Só estão aqui para uma coisa: sexo fácil e rápido, e em quantidade, com o maior número de “gajas boas” possíveis. Algumas delas infelizmente estarão desesperadas o suficiente para aceitarem os convites.

Pelos desgraçadinhos apenas posso manifestar a minha compaixão e ter pena deles. Posso encorajá-los, claro, mas se os encorajo demasiado, já sei que se vão agarrar a mim qual tábua de salvação no meio de um naufrágio. São pessoas normalmente muito frágeis, com o ego muito magoado, e que precisam de apoio e carinho, não indiferença. Mas são também relativamente poucos aqui: provavelmente perceberam que a esmagadora maioria só tem um mega-ego e uma líbido sexual de um adolescente que acabou de entrar na sua primeira sex shop (independentemente da idade, claro), e, sendo tímidos, acabam por se afastar.

Curiosamente, dentro destes tipos há efectivamente muitas pessoas cultas e inteligentes (especialmente no grupo dos tímidos). Lembro-me sempre da história de uma amiga minha, mais velha que eu, e divorciada há muito tempo. É uma pessoa extremamente simpática, muito culta, muito bem disposta, capaz de falar sobre qualquer assunto durante horas, e capaz de se interessar por qualquer coisa que lhe digam sem se aborrecer — marca de inteligência e educação. Há uns anos que anda um pouco frustrada por não conseguir encontrar o seu Príncipe Perfeito (por mais que nós, amigas dela, lhe digamos que essa ficção não existe). Em desespero, recorreu às comunidades online, e o perfil dela anda por aí espalhado em quase todo o lado. Porquê? Porque na mente dela — como na mente de tanta gente que por aqui vejo — em crise de desespero para encontrar um companheiro, as comunidades online são “o último recurso”.

Ora se eu não estou minimamente interessada em arranjar “companheiros”, parceiros sexuais (ocasionais ou permanentes), ou mesmo “amigos” para tomar “um cafezinho”, então porque é que ainda aqui estou??

Quando as comunidades online começaram a aparecer um pouco por todo o lado, mesmo antes de existir uma Internet pública e acessível, havia uma coisa fabulosa que elas permitiam: a possibilidade de encontrar pessoas com os mesmos interesses e as mesmas ideias, sem ter de andar centenas ou milhares de quilómetros para as encontrar. Em vez de olharmos à nossa volta em busca dessas pessoas, podíamos conversar com elas via os sistemas online. Todos nós temos os nossos gostos pessoais — assim como os nossos fetiches — e nem sempre é fácil encontrar pessoas que os partilham. A Internet torna isso muito mais fácil, daí eu ter o cuidado de colocar os “tags” correspondentes. Quem partilhar os mesmos gostos que eu vai decerto encontrar-me aqui com facilidade. E o mesmo se aplica às pesquisas que possa fazer com outros membros do Netlog.

Para além de partilha de gostos, há sempre essa tal pessoa em cem que pode não partilhar os mesmos gostos, mas que é alguém inteligente, culto, educado, e com abertura de espírito suficiente para pelo menos ter interesse em conversar comigo sobre os meus gostos, os meus desejos, e as minhas fantasias — seja porque quer aprender mais, seja porque está curioso(a) sobre o assunto, seja porque simplesmente é alguém agradável e simpático, para quem qualquer coisa serve de pretexto para uma conversa inteligente. É por isso que aturo as centenas de pedidos diários para tomar um cafezinho, ou para ligar a webcam no MSN ou Yahoo, que acabam, em 99% das vezes, comigo a dizer que não estou minimamente interessada. São mesmo muito poucos os que têm efectivamente interesse em mim ou nos meus gostos e desejos. Esses 99% só querem uma coisa: sexo, e acrescentar-me à lista de “conquistas” pessoais.

Mantenho-me no Netlog, apesar de tudo, porque sei que haverá uma minúscula parte dos utilizadores nesta comunidade que provavelmente apreciam o meu tipo de fetiches e que gosta de ver imagens/vídeos deles… embora também saiba que esteja a atrair todo o tipo de pessoas que está a interpretar mal essas fotos e vídeos… é um dilema terrível.

É por isso que não acrescento muitos amigos. Para além de uma ou outra pessoa que efectivamente foi extraordinariamente simpático(a) comigo, quase todos os outros representam pessoas que conheço de outras andanças ou que vim a conhecer aqui no Netlog porque partilham gostos e interesses comigo.

Às 200 e tal pessoas que aguardam ansiosamente por que eu as aprove como “amigas”… esqueçam… não partilham absolutamente nada em comum comigo, e como já referi várias vezes, não ando aqui a fazer “colecções” de pessoas que não me dizem nada. Responderei sempre simpaticamente às vossas mensagens, claro está, mas ficaremos por aí, ok? Procurem pessoas com os vossos gostos, não coleccionem amigos apenas porque gostaram de uma fotografia…

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