Eu sei que sou “velhota” aqui na ‘net, e isso faz com que por vezes assuma comportamentos online que fazem muita confusão na cabecinha de muita gente que me manda mensagens, pois estão habituados a formas de comportamento diferentes.
Passo a explicar então que não pretendo de alguma forma ofender ninguém ou mostrar-me antipática ou distante. O meu comportamento online segue apenas umas regras que existiam literalmente no século passado (uma lista incompleta e não muito exacta está na Wikipedia portuguesa; a referência, para quem saiba inglês, é a norma da Internet RFC 1855) conhecidas por “netiqueta”, contracção verbal de “etiqueta na net”. Eram um conjunto de regras de bom senso que todos os utilizadores da Internet deveriam seguir, sob pena de serem banidos dos serviços. A maior parte das regras estava já em utilização corrente vinte anos antes, mas só em Outubro de 1995 é que se tornaram numa norma.
Por essa altura levava-se isto muito a sério. A Internet é um recurso partilhado (actualmente por dois biliões de pessoas) com uma vastidão imensa de culturas e educação completamente distintas; não é de todo óbvio que todos nos comportemos da mesma maneira. Daí, na altura, ser importante encontrar um conjunto mínimo de regras com que todas as pessoas pudessem concordar de forma a que se mantivesse a interacção entre elas de forma polida e agradável. Afinal de contas, a Internet, como maior ferramenta de comunicação online alguma vez criada, era suposto ser benéfica e positiva para todos. E isto só se consegue se todos se respeitarem mutuamente.
Vou apenas citar alguns exemplos do ponto 4.1.2 das regras de utilização da Internet, em tradução livre, pois são dos mais importantes são para mim:
Não assuma que as pessoas que não conhece têm o menor interesse em falar consigo. Se se sentir motivado a enviar mensagens privadas a pessoas que não conhece, então aceite de boa vontade o facto de que estas possam estar ocupadas ou que não tenham interesse em falar consigo.
Esta é uma daquelas regras que foram completamente distorcidas. Hoje em dia, assume-se que todas as pessoas que estão ligadas online fazem-no apenas para fornecer entreternimento gratuito para o nosso prazer pessoal. Logo, se não respondem aos nossos pedidos de conversa, ou se não nos aceitam imediatemente como amigos nos sites sociais, é porque são mal-educados!
É incrível para mim ver como isto deu uma volta de 180º e agora é usado o sentido oposto ao do senso comum. Na vida real, a maior parte de nós também não mete conversa com estranhos na rua e insulta-os se não nos responderem; no entanto, imensa gente assume este tipo de comportamento online como se fosse a coisa mais natural do mundo!
Pessoalmente não me importo nada que me contactem de forma esporádica e aleatória; nunca se sabe se não se conhece assim um futuro grande amigo! Por isso normalmente respondo sempre. Só não aturo é quem ache que eu tenho “a obrigação” de responder, e de o fazer instantanea e constantemente. Para além de três empregos e dos meus estudos, quando estou online, estou com dezenas de pessoas em simultâneo, essas sim, amigos sinceros, ou conhecidos, ou colegas de trabalho, e todos têm prioridade na minha atenção. É para salvaguardar o direito de cada um de nós a responder apenas às pessoas que queremos que esta regra foi imposta.
Não chateie os outros utilizadores insistindo para que lhe forneçam informações pessoais como o seu género, idade, ou localização. Depois de ter estabelecido uma boa relação com outro utilizador, essas questões são mais apropriadas, mas grande parte das pessoas hesita em revelar esse tipo de informação a completos desconhecidos.
Há gente que infelizmente tem tão pouco talento para conversar, e que como só tem um objectivo na vida (ir para a cama com quem contactam), que só sabem mesmo pedir informações pessoais. Há uma arte de fazer conversa. Mas infelizmente as mamãs já não ensinam isto às criancinhas (até porque elas próprias se calhar já não o sabem). Acho esta regra um pouco dura de seguir, porque nem toda a gente tem, de facto, a capacidade de saber fazer perguntas interessantes a outra pessoa. Perguntar-lhe por dados pessoais (“És casada? Onde moras? Quantos anos tens?”) é um facilitismo.
Para simplificar a vida a essas pessoas, convencionou-se que todos estes sites sociais teriam perfis de utilizador. Estabelecem um equilíbrio natural entre o que as pessoas estão dispostas a falar de si próprias, e aquilo que não é permitido perguntar-lhes. É uma cortesia fornecer-lhes a informação mais completa que não se importam de revelar: poupa trabalho a ambas as partes!
Ironicamente, hoje em dia, ninguém se importa de passar uma hora ou duas a insistir que lhe digam pormenores sobre a vida pessoal de alguém que acabaram de encontrar na ‘net, mas não têm paciência de perder 10 minutos a ler o seu perfil…
Seja como for, não existe a obrigatoriedade de ter um perfil, ou de o ler previamente antes de contactar alguém pela primeira vez. Só é obrigatório respeitar a quantidade de informação pessoal que as pessoas estão dispostas a revelar sobre si próprias.
Se um utilizador usar um “nickname” ou pseudónimo, respeite o desejo de privacidade desse utilizador. Mesmo que seja um amigo íntimo desse utilizador, é mais cortês utilizar o seu “nickname” em conversas públicas na Internet. Não utilize o seu nome real sem permissão.
Esta regra prende-se com a anterior e também tem a ver com a privacidade. Não, o meu BI não mostra “Sandra” no nome, e não tenciono mostrá-lo na webcam. A geração Facebook, onde as pessoas praticamente só lhes falta meter o PIN do Multibanco online, acabou completamente com esta regra, e essa é uma das muitas razões pela qual odeio o Mark Zuckerberg (e todos sabem como é que ele criou o Facebook e para quê, não é verdade :-o. No entanto, lá porque esteja fora de moda manter uma certa privacidade na ‘net, isso não quer dizer que não se deva respeitar o desejo de privacidade de terceiros.
Só quem (como eu) já passou por situações desagradáveis devido a ter demasiada informação online (no meu caso, perseguiam-me para fazer chantagem e extorsão, sabendo quase sempre onde estava porque viam de onde me estava a ligar ao MSN com o meu nome real) é que dá real valor a esta regra antiga. Como felizmente são poucas as pessoas que alguma vez se preocuparam com isto, a regra caiu em desuso. No entanto, é irónico que acontece tanta escandaleira (e divórcios!) só porque as pessoas se esquecem que toda esta informação é pesquisável e facilmente acessível… e só depois de acontecer uma tragédia é que pensam duas vezes que se calhar um pouquinho mais de privacidade nunca fez mal a ninguém.
A privacidade é um direito fundamental, consagrado na Declaração Universal de Direitos Humanos, transposto para a Constituição Portuguesa. Podem dar a importância que quiserem a este direito, mas devem pelo menos respeitar a privacidade dos outros, mesmo que não liguem à vossa.
E pronto, ficam assim a saber porque sou antiquada e porque pareço, por vezes, “distante” ou “antipática”. Não é por nenhuma outra razão que esta: foi assim que me ensinaram as regras de utilização da Internet quando me liguei pela primeira vez, mesmo no final de 1991, e em que estas regras eram levadas a sério e respeitadas por todos. Como faziam sentido para mim — e ainda hoje continuam a fazer sentido! — continuo a segui-las com o maior rigor que consigo. Não me preocupa ser considerada “antiquada” ou “adepta de regras e comportamentos fora de moda”; não sigo regras arbitrárias, mas apenas aquilo que o senso comum me mostrou, durante quase duas décadas, ser a forma mais correcta de lidar com perfeitos estranhos na Internet, respeitando-os e conquistando assim também o respeito de muitos.
Acredito, no entanto, que muitas pessoas se comportam online sem qualquer intenção maliciosa ou ofensiva; apenas o fazem porque imitam comportamentos de outros que conheceram e acham que “não há mal nenhum”. Desconhecem que a Internet, como todos os espaços de interacção humanos, tem as suas regras e normas de conduta éticas, e é apenas por ignorância que não os seguem, não por maldade ou “rebeldia”. Ninguém “impôs” estas regras e normas; surgiram espontaneamente por terem sido adoptadas por uma enorme quantidade de pessoas ao longo de várias décadas, e porque as comunidades que as adoptaram tenderam a sair-se melhor e a terem mais participantes activos que se respeitavam mutuamente. Logo, ninguém é “obrigado”, hoje em dia, a segui-las. Mas podemos sempre aprendê-las, conhecê-las, e ver se fazem sentido para nós.