Uma coisa que a minha geração e a geração mais nova do que eu tem em comum é a sua incrível falta de optimismo no presente e no futuro. Ao contrário da geração dos meus pais, que passaram pelos gloriosos anos 1960, com todas as promessas (e todas as desilusões que vieram depois!!), estas duas gerações não têm qualquer esperança no futuro, e isso preocupa-me.
A minha geração é uma geração de frustrados e deprimidos. Nasceram numa sociedade que lhes dá todas as oportunidades de sucesso, mas qualquer escolha obriga a imenso trabalho e esforço, e requer auto-motivação constante, num meio cada vez mais competitivo, em que nos tornamos obsoletos e dispensáveis ao fim de meses. Em Portugal pelo menos, a ambição da minha geração é trabalhar na função pública e reformar-se por invalidez ou incapacidade aos 55 anos e não fazer mais na vida. Essa é a única coisa que os motiva: chegar a um ponto onde não precisam mais de enfrentar colegas frustrados, chefes deprimidos, e clientes chatos, e gozar o resto da vida a fazer o que lhe apetecem, sem responsabilidades.
É uma geração que vive deprimida porque não quer ter responsabilidades. Não quer criar filhos; não quer trabalhar; não quer sequer compremeter-se com um(a) parceiro(a); não quer produzir nada de novo. Querem que os deixem em paz e que não lhes chateiem a cabeça. Não querem votar, e muito menos não querem pagar impostos. Sabem protestar e resmungar por tudo o que está mal, mas não têm a menor ideia do que fazer para voltar a meter tudo bem. Inventam ingenuidades e comportam-se como criancinhas sobre a forma como mudariam o mundo, se lhes deixassem — embora ignorem por absoluto como é que o mundo realmente funciona. Iludem-se pensando que todos os outros têm sorte e que só eles é que têm azar. Todos os outros têm vidas maravilhosas, sorridentes, cheias de alegria, felicidade, dinheiro e saúde — deixando-nos para nós a amargura de penar num mundo de horrores, aborrecimentos, e coisas que detestamos fazer.
A minha geração vive de psicotrópicos e anti-depressivos, as drogas legais mais consumidas em Portugal. Não se sabem divertir. Não sabem conversar; aprenderam o que precisam para fazer o trabalho que detestam, mas não sabem mais nada de nada. Tudo o que lhes espera como momento de lazer é o aparelho de televisão, e talvez uma ida ou outra a um bar com outros amigos frustrados para afogar as mágoas e trocar lamentos à frente de uns copos. Os homens ao menos ainda vibram com o futebol (e algumas mulheres também) — a única coisa que os motiva, porque pelo menos aí sentem energia, mesmo que esteja a ser canalizada para o lado errado.
Depois ficamos admirados que o nosso país esteja no estado em que está. A minha geração é aquela que “domina” o país, no sentido em que ocupam a maioria dos cargos executivos. Talvez não sejam ainda os decisores — embora se contem muitos na minha geração — mas são aqueles que colocam as coisas em práticas. Mas são frustrados, e acabam por fazer pouco ou nada, porque justamente não têm qualquer motivação para o fazer. Tudo o que querem é arrastar-se pela vida fora até chegarem à reforma sem responsabilidades. Tudo o que servir para evitar as decisões, acabar com os riscos, manter o status quo… é o que se faz. E apenas isso. Tudo o resto é “esforço” que nos deprime.
Mas a geração mais nova não é melhor. São a geração dos “chateados”, que é um movimento quase de culto, a que todos os adolescentes e jovens adultos aderiram. Têm 250 canais da Netcabo e não se interessam por nenhum. Passam o dia na net e nos sites de chat, mas não sabem dizer outra coisa que não seja “estou chateado, entretém-me”. Têm 50 jogos para as consolas, mas não conseguem passar mais do que um quarto de hora entretidos. Elas têm o armário cheio de roupa, mas vestem jeans e uma túnica ou top todos os dias porque dá demasiado trabalho arranjarem-se (“só as cotas é que se arranjam!”). Eles nem sequer conseguem ver um jogo de futebol até ao fim; depois de 5 minutos a assistir, estão fartos e querem outra coisa qualquer. Têm leitores de MP3 com 2500 músicas que carregam todos os dias da net, só para dizer que as têm, mas só ouvem a mesma música, vezes sem fim. Não aprenderam a brincar quando eram crianças, e quando se tornam adolescentes, esperam ser entretidos. Não compreendem porque é que têm de trabalhar, quando podem ficar em casa dos pais até aos 30, sem compromissos nem responsabilidades. Não são motivados nem pelos estudos, muito menos por um emprego futuro, e uma carreira é uma chatice. Não compreendem sequer porque é que os pais se chateiam com eles; chateados já eles estão.
Ainda mais do que a geração dos frustrados, a geração dos chateados é totalmente apática. Nem sequer são egoístas — evidentemente que só pensam em si mesmos, e que todo o mundo existe apenas para os entreter (o que não fazem, já que cada qual quer ser entretido pelos outros) — mas nem sequer fazem esforços. “Amizade” é algo que significa uma pessoa que tem mais jogos de computador, mais MP3 para o iPod, ou mais canais de TV — e, logo, promessa de entretenimento breve, esporádico, e sempre muito pouco motivador.
Ora esta geração nem vai chegar a ser frustrada, porque nem vai compreender a essência da frustração. Desde que têm consciência de si próprios, estão aborrecidos. Tudo os aborrece. Não há uma noção de “frustração” porque as coisas podiam/deviam ser piores — do ponto de vista deles, “melhor ou pior” são coisas “dos outros”. Eles apenas querem auto-satisfação pessoal, estão ávidos de entretenimento, mas não o conseguem encontrar em lado nenhum. Por isso não reagem quando são castigados ou punidos; não conseguem compreender sequer porque é que os polícias os multam ou os tribunais os atiram para a cadeia — são totalmente indiferentes. Procuram novas experiências em todo o lado, mas nenhuma é interessante. Podem fazer parte de cultos; de grupos de fãs de bandas estranhas; podem passar horas ligadas ao MSN; mas seja o que for, a única coisa que sabem é que estão tremendamente chateados e que nada os excita.
Do meu ponto de vista, isto entristece-me deveras, pois não me revejo em nenhuma destas gerações. Sou optimista e não acredito na sorte; a sorte é algo que fazemos. Não acredito em depender de terceiros para ter satisfação; faço o meu próprio entretenimento. Não dependo de ninguém para sobreviver — todos temos momentos bons e maus nas nossas vidas (e sei o que é perder tudo e ficar apenas com a roupa no corpo), mas “viver” é superar obstáculos. Os obstáculos são maiores quanto mais preparados estamos para os enfrentar; a plena satisfação pessoal vem de compreender que cada vez é mais difícil sair do fundo do poço para chegar ao topo da montanha, mas cada vez estamos melhor preparados para o fazer. Não me lamento das coisas estarem mal; meto mãos à obra para as mudar. Sozinha, não posso mudar o mundo — mas posso fazer sorrir uma pessoa que esteja triste, e mudar assim o mundo um pedacito bem pequenino. Não espero glória nem alvíssaras por fazer o meu trabalho; faço-o não em busca de reconhecimento ou de fortuna pessoal, mas porque é o que me motiva a estar aqui neste planeta. Entre uma vida de depressão a fazer o que não gosto, e o risco de não saber de onde me virá a próxima refeição mas ser feliz por adorar o que faço, escolho sempre a segunda opção. Não morrerei rica nem confortável, mas terei os amigos para se lembrarem de como fui feliz, e espero que muitos também se recordem de como os fiz feliz também. Gasto tudo o que tenho em futilidades ou a oferecer a outros para que façam o mesmo — sou apologista do amaterialismo, a noção de que o dinheiro não serve para enchermos a casa de objectos que não nos dão conforto espiritual, mas sim para nos dar pequenos prazeres que merecemos após termos dado o nosso melhor. É assim que prefiro gastar dinheiro a oferecer uma jantarada a amigos num restaurante exótico de luxo acima das minhas posses do que a coleccionar bric-a-braques e bibelôs que não me dizem nada ao fim de uns anos; os meus amigos poderão recordar a extravagância, mas os berloques e penduricalhos em casa vão-se encher de pó e desfazer-se em pouco tempo.
O facto de não poder mudar o mundo não me frustra nem me deprime, porque a verdade é que ao conseguir arrancar um sorriso a uma pessoa é já uma mudança. O meu optimismo vem do facto de não precisar de coisas grandes que me motivem: já as muito pequeninas chegam e sobram. Mas tal como o nosso corpo é feito de células e o universo é feito de átomos, a nossa felicidade pessoal e auto-motivação também é feita de coisinhas pequeninas que se acumulam.
Desejo-vos a todos um sorriso 🙂