Esta semana tem sido, para mim, incrivelmente intensa. Pela primeira vez, no Carnaval, a minha mulher deixou-me explicitamente sair em pleno dia, para visitar uma amiga; poucas semanas depois, já completamente fora da época de Carnaval, deixou-me, também pela primeira vez, ir a uma festa no Bar 106 com um grupo de amigas. Como escrevi anteriormente, pensei que tivessem sido «excepções à regra», e não um padrão.
Mas posso dizer que foi mesmo uma mudança de página, o fim de um capítulo e o início de um novo. Hoje resolvi, de forma provocadora, perguntar-lhe se podia ir buscá-la à universidade à meia noite (ela está no horário nocturno), completamente vestida. Mais uma vez ela não disse que não. Comentou apenas que achava que já eram duas vezes por semana que me vestia, mas para a semana as coisas serão complicadas, por isso não disse que não. Achou que eu ia ter de fazer várias viagens (de casa para a universidade, depois regressar a casa em plena hora de ponta com um trânsito de morte, depois ir buscá-la de novo à universidade, e voltar a casa — um total de 100km), mas que o problema era meu, se eu estava na disposição de fazer essas viagens todas, por ela, tudo bem.
Desta vez, não houve a desculpa do Carnaval. Não houve a desculpa de «estar com amigas». Foi apenas mesmo sair vestida e ir buscá-la (ela nunca saiu de casa comigo vestida). E apesar disso tudo, não disse que não!
Fiquei estonteada com tanta liberdade.
Podem imaginar como me sinto: perfeitamente eufórica, absolutamente livre, graças a um gigantesco peso que me saíu das costas. Finalmente, ao fim de dezassete anos de sofrimento, posso gozar um pouco o bom que a vida tem para me oferecer. Sinto-me como um prisioneiro que foi injustamente condenado a prisão perpétua, mas que, ao fim de décadas, há um advogado que prova a sua inocência e finalmente o consegue libertar! Eis todo um mundo novo para explorar, com o qual o prisioneiro só podia sonhar enquanto estava na sua cela a ver o sol aos quadrados, e que agora se tornou real.
É isso que sinto, e muito mais. Sinto-me capaz de tudo! Sinto que o mundo deixou de ter constangimentos! E, para celebrar esta nova fase, queria ir ao shopping com uma amiga, irmos fazer compras juntas, antes de ir buscar a minha mulher…
Mas depois reflecti, e não foi pouco, sobre o assunto.
E veio-me à memória as recomendações de cautela das minhas amigas mais «veteranas» nestas andanças, e que já passaram por esta fase de suprema liberdade súbita há muitos anos atrás. Todas elas, praticamente sem excepção, recomendam moderação. De fazer as coisas um pouco de cada vez — dar «passos de bebé», como dizem os anglo-saxónicos. Ou, nas palavras da minha própria mulher, «não tentar encaixar anos de adolescência em poucos dias».
Penso que a razão principal para estas recomendações é uma tendência para tomar riscos desnecessários (um comportamento que, aliás, é tipicamente masculino, e nada feminino, pelo que qualquer crossdresser que se preze o deve evitar). E tenho de confessar que é isso mesmo que me apetece fazer. Os vizinhos viram-me na rua? Azar deles. As pessoas riem-se se for ao supermercado? Pior para eles. Um bando de jovens começa a gozar comigo no centro comercial? Ainda bem que estão divertidos. O que é que isso me incomoda a mim, se posso estar como quero, onde quero?
Mas a verdade é que este comportamento não é nada racional!
Já estava ao ponto de meter uma foto minha vestida como mulher no meu Facebook masculino. Só para provocar. Nem meteria grandes comentários: deixaria que os meus amigos pensassem o que quisessem. Se me perguntassem se a fotografia tinha sido retocada no Photoshop, dizia-lhes que sim. Mas não adiantaria detalhes sobre o que é que foi retocado! Deixaria que especulassem, chocados ou não. Depois pensei: bom, talvez uma foto de corpo inteiro não, mas podia por só do rosto. E depois disso ainda pensei, bom, podia ser só do meu olho e mais nada — maquilhado e com pestanas postiças. Será que me reconheciam?
Mas qual seria o propósito desta exposição toda? Chocar o resto do mundo? Mostrar-me «superior» aos meus amigos e familiares, dizendo-lhes que agora podia fazer o que quisesse e não me preocupar mais com o que pensam de mim? Vendo bem as coisas, não havia nenhuma razão lógica para os «provocar». E por isso a decisão racional foi obviamente não mexer no meu perfil masculino e deixar como estava…
Da mesma forma, mesmo que me apeteça saír todos os dias, só porque posso, e cometer loucuras, só porque posso, essa não é a atitude racional. Tenho, pois, de descer à terra e sair das nuvens.
Voltarei a uma rotina mais ou menos «normal», em que só sairei talvez uma, no máximo duas vezes por semana. Talvez saia mais cedo, provavelmente estarei muito mais vezes com amigas, e talvez fique mais tempo fora de casa — mas em sítios seguros, com o conforto de um grupo alargado.
E deixarei de andar a perder tanto tempo com o Facebook. Ou por outra, dedicar-lhe-ei o mesmo tempo que dedicava antes desta mudança de opinião da minha mulher: uma visita ocasional, especialmente nos dias em que estiver vestida, mas não mais do que isso.
A minha vida tem de continuar, apesar das mudanças!
Um beijinho a tod@s, e não me levem a mal se parecer estar de novo mais distante; não estou, tenho apenas de me auto-impôr mais moderação!