Dia 17 de Maio é um dos vários dias em que os activistas das comunidades LGBT «saiem à rua» para comemorar a data em que oficialmente a homossexualidade foi desclassificada pela World Health Orgaization do seu anterior estatuto de «doença mental». Através de muita pressão ao longo dos anos, muitos governos têm adoptado oficialmente este dia para lançar o apelo ao combate contra a homofobia. Mais tarde alargou-se o âmbito também à transfobia.
As comunidades mais activistas em Portugal há alguns anos que fazem diversas comemorações, paradas, seminários, debates, e acções de divulgação, mais recentemente dentro das escolas, onde a homofobia está muito presente. O dia aparentemente ainda não é oficialmente reconhecido pelo Governo português, mas isso não impede que exista já bastante divulgação. Podia haver mais, claro, mas mais vale pouco de boa qualidade, do que não haver nada.
Há muitos anos que as organizações, que inicialmente apenas reivindicavam os direitos dos homossexuais (principalmente masculinos na altura), passaram também a lutar pelos direitos dos homossexuais femininos e dos indivíduos bissexuais de ambos os sexos. E mais recentemente têm incluído a sempre polémica letra «T» às suas organizações.
Os «T» são um problema.
O problema aqui é que nos casos LGB trata-se essencialmente de combater a discriminação à orientação sexual. Como se trata de algo do foro privado, na realidade tem uma maior aceitação pública: se um indivíduo se restringir à prática sexual preferida no conforto da sua casa, não «ofende» ninguém. A luta pelos direitos e o combate à homofobia pretende apenas ver garantido, para estes indivíduos, que a sua orientação sexual não é base para discriminação, seja na escola, no emprego, ou perante os direitos legais: daí a importância do direito ao casamento civil, que é universal para todos os cidadãos e que não deve depender da orientação sexual; ou da adopção, que é um problema mais complicado, já que nem todos os cidadãos podem ser automaticamente pais adoptivos — e a «selecção prévia» actualmente exclui a orientação sexual que não seja heterosexual. Há, pois, muito por que lutar, mas essencialmente o que os indivíduos LGB pretendem é ver reconhecidos os mesmos direitos que os restantes cidadãos já têm. Nem mais, nem menos. A luta pelos mesmos direitos segue o modelo das lutas pela igualdade de direitos das mulheres, dos indivíduos de cor de pele não branca, das religiões não cristãs. Do ponto de vista social, esta luta pelos mesmos direitos tem melhor aceitação.
Isto não quer dizer que não haja discriminação. Claro que há, e não é pouca. Uma coisa é a legislação ser idêntica para todos os indivíduos, independentemente do seu género, da sua orientação sexual, da sua etnia ou cor de pele, da sua ideologia ou orientação política, da sua religião ou tradição espiritual. Aos poucos chegou-se a um ponto em que a legislação, nas principais democracias do mundo, realmente começa a garantir igualdade de direitos a todos, ou, se ainda não lá chegou, para lá caminha. A outra coisa é a mudança de mentalidades: lá porque seja proibido, na maioria das democracias, discriminar no local de emprego alguém por ser mulher, homossexual, ou ter o azar de ter um tom de pele mais escuro, isso não quer dizer que a discriminação tenha desaparecido. Ela continua lá na mente das pessoas. O da 17 de Maio serve apenas para relembrar que a mudança da legislação é apenas o primeiro passo, a mudança das mentalidades leva muito mais tempo e está longe de estar completa.
Mas isto é para os «LGB». Os «T» são diferentes. É que sob o «T» encontra-se um vastíssimo espectro de indivíduos colectivamente designados de sofrerem de problemas de identidade de género: desde os «crossdressers parciais», a crossdressers fetichistas, passando por travestis, transgénero, transsexuais (primários, secundários…), intersexuais, asexuais… é uma miscelânea de nomenclaturas e classificações! Portanto, logo desde o início, as coisas começam a complicar.
Vai-se ainda complicar mais. Em muitos dos casos acima referidos, há uma questão também que é puramente sexual. Para uma crossdresser hiperactiva (a maioria são-no, segundo os estudos), a sexualidade e o prazer orgásmico estão fortemente relacionadas com a mentalidade. Já para um(a) transsexual pode colocar-se o problema inverso: o facto de se sentirem no corpo errado pode cortar-lhes a líbido a zero, e o que pretendem é corrigir o seu corpo para que esteja de acordo com o género com que se identificam, para poderem assim ter actividade sexual normal… seja esta uma actividade heterossexual, homossexual, bissexual, ou mesmo assexual (todos os casos são possíveis). Para alguns indivíduos transgénero, a utilização de roupa e acessórios do género oposto com o que foram designados à nascença é fortemente erótico, e o impedimento de os utilizar pode causar extrema frustração, ansiedade, raiva ou mesmo depressão. Mas para outr@s não. Ou seja: o factor sexual pode estar tanto num extremo (hiperactividade libinosa) como no outro (sem interesse por sexo). Isto complica as coisas: o que é que os indivíduos transgénero querem, afinal, reivindicar? A resposta é: depende do indivíduo…
Se isto já estava confuso, então a coisa daqui em diante é só a piorar. É que enquanto que os indivíduos LGB querem essencialmente reivindicar os mesmos direitos que os restantes cidadãos, alguns «T» querem — precisam! — de mais direitos. Nomeadamente, um caso de transsexualidade clinicamente comprovado, que sofre atrozmente por ter de viver num corpo que não é o do género com que se identifica, precisa de auxílio médico (hormonas, cirurgia), estético (electrólise, cirurgia plástica), psicológico (terapia para auxiliar a transição) e legal (mudança de registos para um nome e género diferente, defesa contra a discriminação). Compartilham com os restantes membros da comunidade LGB a necessidade de apoio psicológico e de defesa contra a discriminação. As restantes necessidades são adicionais aos direitos reclamados pelas comunidades LGB. Ora isto ainda é mais complicado.
Mas isto é apenas para os «T» de «Transsexual». Então e todos os restantes membros da comunidade transgénero que não querem a transição (seja por que razão for)? O que é que reivindicam?
É difícil de dizer. Apoio psicológico, certamente. Combate à discriminação…? Bem, isso já depende. É que se o objectivo de uma crossdresser masculina for obter o direito a viver 24h/7 com roupas de mulher e adoptando um comportamento feminino, entrando no local de emprego com a roupa do género oposto, e fazendo, em geral, a vida de uma mulher… então não é uma crossdresser. É (legalmente) transsexual, ou, se não gostar do nome, é transgénero. Pode não querer cirurgia, nem hormonas. Legalmente, em Portugal, pode mudar de nome e de género. Mas isto volta ao caso anterior.
Então e se quiser uns dias vestir roupa de mulher, e noutros de homem?
Isto, então, é complicadíssimo. Desde que foram eliminadas as Leis da Moral e Bons Costumes, os cidadãos nacionais podem vestir-se como lhes apetecer. Faz parte da sua liberdade de expressão; não podem ser discriminados por isso. Bem… quase. Na realidade, não podem andar nus na rua — mas apenas em locais designados para o efeito (por exemplo, praias ou piscinas de nudistas). Ninguém será preso por andar tecnicamente «nu» na rua com uma toalha à volta das partes baixas, mas… pode-lhe ser negado o direito a entrar num espaço privado. Também me parece que terá dificuldade em ir assim para o emprego, para a escola, ou para a repartição de Finanças. Mas creio que seja ainda tolerado. Por exemplo, alguém que seja assaltado na praia, e que tudo o que tenha é uma toalha, será decerto bem recebido na esquadra mais próxima (ou pelo menos tão bem recebido como qualquer outro cidadão). Há, pois, limitações à «liberdade de expressão» quando se trata do vestuário.
O mesmo se pode aplicar ao comportamento. Regra geral, o Ricardo Araújo Pereira, o Herman José, ou o Nuno Markl poderão fazer-se de parvos em qualquer sítio que forem, que ninguém os levará a mal. Mas o resto dos cidadãos, se se fizer de parvo ou engraçadinho num local público, pode ser impedido de o fazer. Se alguém lhe apetecer vestir-se de palhaço ou de Pai Natal (nos restantes 364 dias do ano), é bem provável que não possa ir assim para o emprego ou para a escola. Talvez «passe» da primeira vez. Mas os empregados do Pingo Doce ou do Millenium BCP não vão querer nem palhaços, nem Pais Natais a atender os clientes ao balcão. Ou seja: há um comportamento «normal», um vestuário «normal», que se assume que seja cumprido quando estamos em público. Em privado, claro, ou em espaços públicos especiais (uma convenção de palhaços ou um seminário para Pais Natais em formação), essas regras mudam. Mas, em geral, há um comportamento esperado e um vestuário adequado. Haverá alguma liberdade e flexibilidade, mas só até um certo ponto. Um bancário pode usar um brinco discreto que não será posto imediatamente na rua (pelo menos em entidades como o Montepio Geral; no BCP já não digo nada…). Mas se usar um blazer à Luís Goucha e uma gravata às bolinhas roxas sobre fundo amarelo, duvido que deixem.
Porque é isto importante? Se eu me vestir como gosto — ou seja, de mulher — e der asas ao meu lado feminino, adoptando um comportamento oposto ao do género que consta do meu BI, e entrar num restaurante «normal» (ou seja, não pertencente à comunidade LGBT), provavelmente vai-me ser negada a entrada. Se for às Finanças assim vestida, provavelmente recusam atender-me. Se for a um supermercado de bairro, arrisco-me a levar uma dose de porrada. Se aparecer assim no jantar de Natal, riscam o meu nome da lista de presentes e esquecem-se que eu existo.
A grande pergunta é então: estarei eu a ser discriminada?
Estarão a constrangir-me o meu direito à livre expressão que me é constitucionalmente garantida?
Porque é que, apesar de estar a usar uma roupa perfeitamente normal (ou seja, não estou semi-nua, nem a usar uma toalha à volta de cintura…), sou tratada em público como se fosse leprosa? Só porque por baixo da roupa de um género está um indivíduo do género oposto?
Nem sequer isso faz sentido. Qualquer mulher (genética) pode entrar numa repartição de Finanças com umas jeans, uma T-shirt, uns ténis, e com o cabelo cortado à escovinha, que será tão bem atendida como a Lili Caneças vestindo haute couture. Mesmo se for musculada e disser palavrões de duas em duas palavras. Então se as mulheres podem vestir roupa masculina, adoptar cortes de cabelo masculinos, fazer exercício para terem um corpo masculino, cortar o cabelo com um corte masculino, e adoptar um comportamento e uma forma de falar mais associada a um homem… e são perfeitamente aceites… porque é que o inverso não é possível?
Se a resposta é «porque parece mal» relembro que as Leis da Moral e Bons Costumes foram abolidas em 1974. As pessoas não podem ser presas ou multadas por «parecerem mal». Há, de facto, regras para determinados comportamentos e vestuários inapropriados — volto ao exemplo da roupa de praia que não é aceite num restaurante de luxo privado (embora no Algarve se façam excepções à regra…) ou num casino. Mas se eu vestir um vestido de cocktail apropriado para um casino, barram-me a entrada só porque… legalmente não sou mulher?
Mais ridículo ainda. Imaginemos que eu fosse, de facto, uma transsexual em transição, mas que recuso hormonas e cirurgia. Amanhã é o grande dia, em que vou mudar de nome e de género no Cartão de Cidadão — posso fazê-lo, se os médicos deixarem. Hoje decido ir celebrar com umas amigas e ir ao casino beber uns copos. Não me deixam entrar! Mas se o fizer amanhã, já não me podem dizer nada — pois estarei vestida apropriadamente para o casino e serei legalmente mulher. Posso ser feia, sim, mas e depois? Não se podem discriminar as pessoas por serem feias! No entanto, pelos vistos podem discriminá-las por terem uma cruzinha no sítio errado do Cartão de Cidadão…
É claro que isto é do ponto de vista puramente legal. Se calhar até me deixavam entrar no casino se tivesse a cruzinha na caixinha certa. Mas depois, ao sair, cá fora, davam-me um enxerto de porrada — isso é transfobia, e podia queixar-me à polícia. Mas hoje, em que o meu Cartão de Cidadão tem a cruzinha no sítio errado, levo porrada à entrada se insistir em entrar. E não me posso queixar à polícia: o casino tem todo o direito a recusar a entrada de um cidadão que está vestido apropriadamente para a ocasião e que se comporta impecavelmente, mas tem o «azar» de ter a tal cruzinha no sítio errado.
Claro que quando digo estas coisas, a maioria das pessoas pensa… «ok, Sandra, sim, tens razão, mas…»
Mas o quê?
Não há nenhum argumento racional para um casino recusar a minha entrada, quando estou vestida com um vestido de cocktail e toda arranjadinha, quer o meu Cartão de Cidadão diga que sou homem ou mulher. Há muitos argumentos irracionais. Por exemplo, posso «incomodar» outros frequentadores do casino. Mas há imensas pessoas que estão lá dentro que serão também elas «incomodativas» para os outros. Por exemplo, nos casinos (ainda) se deixa fumar, e isso pode ser «incomodativo» para os não-fumadores. No entanto, ambos podem entrar. Por exemplo, pode haver gente que não tenha tomado banho e que cheire mal. Pode haver gente incomodada com louras ou morenas, mas lá tem que as suportar, porque ninguém é discriminado por ser loura ou morena. Por outras palavras: aquilo que «incomoda» ou deixa de «incomodar» é algo de individual, não é racional, e não é universal. Porquê, pois, discriminar uns e não os outros?
Nem sequer o argumento de que há pessoas que incomodam toda a gente devem ser barradas à entrada. Bem, um casino — ou um restaurante — é um espaço grande. A maioria das pessoas nem iria reparar. Sim, algumas que estivessem bem próximas de mim poderiam sentir-se incomodadas. Mas tal como nos tempos em que me pediam delicada e educadamente para ir fumar para outro lado, e eu acedia, também posso fazer o mesmo — posso mudar de mesa. Mais para o canto, por exemplo, para «incomodar» menos gente. Não iria propriamente ao casino ou ao restaurante de propósito para incomodar pessoas ou para as chocar, mas sim para tomar um copo (ou para jantar) e ficar na palheta com as amigas. Ou para ver um show.
Também não posso ir ao cinema assim vestida. E porque não? Afinal de contas, as luzes vão estar apagadas. Quem é que se «incomoda» então? Mas as pessoas vão ao cinema para verem um filme, ou para se sentirem incomodadas com quem está na sala (e que não podem ver de qualquer das formas)? Por isso a coisa afigura-se ainda mais ridícula.
É claro que eu estou deliberadamente a forçar a nota, porque sei perfeitamente que o problema é uma certa moralidade implícita que é «imposta» apesar da Constituição e da legislação não o permitir. Noutros locais já escrevi que o problema da transfobia tem duas vertentes subtis, que normalmente as pessoas não gostam de assumir.
A primeira é servir de espelho para certos medos e coisas reprimidas. É muito fácil ver que um homem seguro da sua masculinidade, ou uma mulher segura da sua feminilidade, não se sente «incomodado» com uma crossdresser, transgénero, ou transsexual. Pode não estar sequer curioso a seu respeito e ser-lhe completamente indiferente. Se tiver espírito aberto, pode achar alguma piada, mas não passa disso. Mas genericamente na sua maioria, uma grande parte dos homens vê num indivíduo LGBT um reflexo da sua insegurança. Lá bem no fundo, muito reprimido, há algo que «mexe» com eles, que lhes faz ver que se perderem o controle sobre essa repressão, um dia podia ser que se «tornassem» assim. E ao notarem isso — especialmente em público, rodeados por amigos confiantes na sua «masculinidade» — tornam-se violentos e ameaçadores, para mostrarem, através da discriminação, e dos ataques verbais ou mesmo físicos, que «não são nada disso» e que são «muito machos». Mas, no fundo, têm medo. Têm medo que «isso também lhes aconteça se perderem o controle». No caso das mulheres isso também pode acontecer: um homem vestido de mulher que tenha melhor aspecto que elas próprias pode causar-lhes dúvidas quanto à sua auto-imagem, e isso causar-lhes-á também uma reacção violenta. No entanto, na minha experiência, é muito mais raro (o que diz algo a respeito das mulheres!!). Por exemplo, nunca fui «discriminada» por mulheres em lojas de roupa, maquilhagem, cabeleireiras, nem mesmo caixas de supermercado, quando estou a comprar, claramente para mim, coisas que são tipicamente femininas. Em caso de insegurança minha, opto por uma mulher — a probabilidade de ser tolerada é sempre maior. Já li coisas escritas por amigas minhas que estão dispostas a «abrir-se» com uma médica ou psicóloga sobre a sua crise de identidade de género, mas que recusam consultas com homens. Percebo-as perfeitamente: as mulheres vão ser mais tolerantes.
Ora isto é um problema que não se consegue resolver, a não ser aplicando terapia a toda a população para que deixe de ter «bichinhos na cabeça» e aceite a sua própria auto-imagem e reforce a confiança no que são. Isso é impossível de acontecer. Não vai lá com acções de divulgação ou de formação!
A segunda vertente, no entanto, já poderia ser resolvida com uma maior divulgação de informação. Como existe na população T um grande número de indivíduos sexualmente hiperactivos, e isto é do conhecimento corrente, digamos que há um certo «distanciamento» por parte de indivíduos com uma líbido normal de estarem em contacto com a comunidade T. Por outras palavras: sim, é verdade que uma grande parte dos homens e das mulheres estão sempre a pensar em sexo. Ou quase sempre. Mas nem todos são assim: a maioria só pensa ocasionalmente, dependendo da circunstância, e sentem-se «incomodados» quando estão junto de pessoas que realmente só pensam em sexo e mais nada. Reparem que não digo isto de forma a menosprezar ninguém: a hiperactividade libidinosa é um problema clínico e é objecto de estudo científico. Causa um sofrimento atroz a quem sofre disto, porque ainda por cima há a tendência do sexo nunca ser completamente satisfatório, e desejar-se mais e mais, na expectativa de conseguir satisfazer esse desejo constante. Nem sempre se consegue. Aliás, há casos relatados na literatura de pessoas que vivem eternamente frustradas sexualmente, pois por mais sexo que tenham, nunca é suficiente, e vivem nessa obsessão constante, que nunca é satisfeita… o que conduz à depressão.
Mas para o público em geral, que não sofre dessa ansiedade provocada pela hiperactividade libidinosa, mas associa os indivíduos LGBT a essa hiperactividade e ao desejo constante de ter sexo com tudo e com todos, podem sentir-se desconfortáveis fisicamente. Eu acho isto compreensível, porque eu, que tenho uma líbido baixíssima (e sempre tive), também me sinto desconfortável na presença de pessoas no extremo oposto do espectro. Aqui onde a acção de divulgação pode incidir é na explicação que nem todos os indivíduos LGBT sofrem de hiperactividade libidinosa. Isso é um mito. Infelizmente anda muito propagado. Dentro dos indivíduos T, então, perdura a confusão: um homem que veste peças de roupa de mulher é porque tem tanto desejo de sexo com tudo e com todos que até se «ridiculariza» vestindo-se de mulher para ter também sexo com outros homens… ora quem acredita nestas coisas, se for homem, heterossexual, e com uma libido normal, sentir-se-á evidentemente desconfortável com a situação.
Este caso de homofobia e transfobia pode, evidentemente, ser «combatido» com acções de divulgação para desmistificar o boato. Irá levar muito tempo porque é difícil de convencer as pessoas do contrário. Mas é algo em que pode incidir directamente a acção dos grupos de activistas, para que se explique melhor ao público que nem todas as crossdressers andam por aí sedentas de sexo.
(A propósito, a hiperactividade libidinosa é «tratável», com um misto de hormonas e terapia; a dificuldade é principalmente aceitar que é, de facto, um problema.)
Para concluir… o problema do «combate à transfobia» é justamente saber o que combater e como. Por um lado, não se podem combater aversões irracionais. Podem-se explicar e desmistificar boatos e rumores que não correspondem à realidade. Mas uma campanha de sensibilização não pode mudar a mente das pessoas. Mesmo uma pessoa muito bem informada, mas que nem sequer reconheceu que está a reprimir algo lá de muito profundo e que sofre de falta de auto-estima… vai ter uma reacção irracional contra a comunidade LGBT, mas, em particular, contra a comunidade T (porque é mais «detectável»). E isto conduz a uma discriminação subtil.
Mas o outro lado da questão é muito mais complicado de resolver. O que querem, afinal, reivindicar as crossdressers que não desejam (ou não podem) a transição? Querem «os mesmos direitos»… de quem? Ou querem novos direitos adicionais… nesse caso, quais direitos? Sabendo que são uma minoria escassíssima (mas são bem mais do que as 200 contabilizadas oficialmente pelas estatísticas, segundo me contou a minha amiga Vanessa Blue), que direitos é que lhes podem ser outorgados sem que ninguém se sinta prejudicado? Não é fácil de responder… porque cada uma de nós terá uma resposta diferente. E acho que é justamente por haver tantas respostas diferentes que as comunidades de crossdressers e restantes indivíduos transgénero têm tanta dificuldade em terem uma «frente activista comum» (pelo menos por cá).
Eu, por mim, não quero nenhuns direitos adicionais. Agradeço a discriminação positiva, mas acho que não se justifica no nosso caso. Na realidade, só quero duas coisas, que deviam de ser simples mas não são!
1) Que tenhamos os mesmos direitos das mulheres, que são livres de adoptarem roupas, comportamentos, acessórios, cortes de cabelo, forma física, forma de falar que os homens… sem serem discriminadas por isso. Nós devíamos ter os mesmos direitos que elas!
2) Abolir, por decreto-lei, que haja recolha de informação sobre o género da pessoa. Ou seja, que não haja nenhuma «cruzinha» ou «caixinha» em nenhum documento oficial. Sem haver «classificação» de «homem ou mulher» (ou exclusivo), deixa de haver homofobia ou transfobia: passa a haver meramente pessoas a chatearem-se com indivíduos, em vez de discriminarem grupos de indivíduos frutos de uma classificação que, para muitos, é arbitrária.
Isto merece um novo artigo porque é uma forma de pensar radical 🙂
Termino só para dizer que há um grupo de indivíduos «T» que nunca é discriminado: basta ser-se rico, ou ter uma figura perfeita do género com que se identifica. Muitas vezes estas duas coisas são sinónimas umas das outras. Ninguém discrimina a Filipa Gonçalves. E o José Castelo Branco (um mau exemplo para se citar, mas enfim) bem pode fazer o que lhe dá na real gana, pois é traficante de diamantes e rico. Isto, sim, é que é discriminação, mas a um nível completamente diferente…
Para finalizar, deixo o press release da Rede Ex Aequo sobre o dia 17 de Maio:
Campanha IDAHO põe o foco nas discriminações homofóbicas e transfóbica nos ambientes educacionais.
A escola pode ser o ambiente mais difícil de lidar para estudantes LGBT ao redor do mundo. O assédio (ou bullying) é uma das razões para a evasão escolar e pode levar à deserção antecipada e comprometer o rendimento académico. Também pode afetar negativamente a saúde mental e psicológica de jovens e crianças, deixando cicatrizes permanentes e que muitas vezes levam ao suicídio.
Pesquisas realizadas nos EUA mostram que estudantes que sofreram discriminação na escola têm o dobro de probabilidade de tentar o suicídio que colegas que não sofrem assédio, discriminação ou intimidação. Este ano, a campanha IDAHO “Enfrentando a homo/lesbo/transfobia NA e ATRAVÉS DA educação” destaca a questão do bullying e mobiliza apoio global para a consciencialização e promoção de espaços mais seguros e melhores para estudantes no mundo inteiro.
Iniciativas e eventos estão a ser postos em prática na América Latina, América do Norte, África, Ásia, Europa e no Pacífico, e incluem desde eventos de base até atividades de alto nível internacional. Na Ásia, por exemplo, o Fórum LGBTIQ da Indonésia dedica atenção a estas questões por meio de um “road show” nas escolas e universidades do país. Na América Latina, a Associação Brasileira LGBT mobiliza ativistas do país inteiro para a IV Marcha Nacional contra a Homofobia em Brasília, que acontece na próxima quarta-feira, 16 de maio, com o lema “Homofobia tem cura: educação e criminalização”. Uma audiência pública e um seminário nacional discutem hoje no Congresso Nacional medidas para fazer frente aos crescentes ataques homofóbicos neste país. Em Cuba, atividades de sensibilização contra a homofobia, lesbofobia e transfobia na educação superior e a necessidade de uma educação sexual integral serão realizadas em universidades de todo o país.
Na Inglaterra, a Stonewall mobilizou as escolas participantes do programa “Schools Champions Program” para o IDAHO. Na Austrália, a Coalizão para Escolas mais Seguras de Victoria lançou um concurso de fotografias e desenvolveu um kit de ferramentas especialmente para o IDAHO. Na Tasmânia, a “Family Planning New Zealand” desenvolveu um programa nacional anti-bullying para suas atividades em torno do Dia. Em Montenegro, foi lançado o programa “Ação Diária LGBT” para somar vozes contra o bullying homofóbico e transfóbico.
E no dia 16 de maio, na véspera do Dia, a UNESCO lançará o oitavo número do caderno “Boas políticas e práticas em educação para o HIV e a saúde – Respostas do setor educacional ao bullying homofóbico”. A publicação foi elaborada a partir dos resultados da primeira Consulta Internacional sobre Bullying Homofóbico em Instituições Educacionais, realizada sob os auspícios das Nações Unidas e organizada pela UNESCO em Dezembro de 2011.
Estes são apenas alguns dos eventos e atividades que acontecerão ao redor do 17 de maio. Uma lista completa está disponível no website do Comité IDAHO (http://www.dayagainsthomophobia.org) e na página das Vozes Globais contra o Bullying Homofóbico e Transfóbico no Facebook (https://www.facebook.com/VocesContraElBullying).
Para maiores informações, escreva a [email protected]