Uma experiência (positiva!) de Bra Fitting

Bra & Company — Interior da Loja
Bra & Company — Interior da Loja — Imagem obtida do site oficial da Bra & Company

Talvez se lembrem da minha experiência profundamente negativa com a Dama de Copas, uma empresa de bra fitting que tem preconceitos contra pessoas transgénero. Felizmente, existe concorrência neste mercado, e se bem que uma pesquisa por bra fitting em Lisboa praticamente só mostre a Dama de Copas no Google, a verdade é que não é a única casa a prestar este tipo de serviço!

Lá no início de Março, pelas várias razões que expliquei no outro artigo, precisava mesmo de arranjar mais soutiens novos. É normal: por muito que se queira, os soutiens não duram para sempre, e o nosso corpo, quer gostemos quer não, vai mudando de forma… Por isso, apesar da Dama de Copas me ter rejeitado, continuava a precisar de soutiens… mas também do conselho de especialistas sobre o assunto.

Aliás, a própria Dama de Copas publicou, num estudo exaustivo feito a dezenas de milhar de mulheres, a estatística perfeitamente abismal: 99% das mulheres portuguesas escolhem o tamanho errado de soutien, e 34% nem sequer sabe qual o tamanho que estão a usar! Uma das razões para isto não é só a pura ignorância de como se escolhe (e se cuida) de um soutien, mas também o facto de haver muito pouca oferta — mesmo nas casas especializadas! — de tamanhos. Ou seja, as portuguesas, de entre a escassa escolha disponível, tendem a escolher o modelo que lhes fica melhor, mesmo que não seja nem o correcto, nem o apropriado, com a consequência de que acaba por ser desconfortável, ou não ter o efeito desejado…

Ora se isto é verdade para as mulheres cisgénero, quanto mais para as transgénero, que nem sequer tiveram o privilégio de aprender com as familiares e amigas quando eram novas; ainda por cima, acrescente-se a dificuldade de muitas de nós não terem corpos andróginos; e, quando se pensa nos casos extremos como o meu, em que estou a usar próteses mamárias em silicone, a confusão ainda é maior, pois os modelos que se vendem correntemente são de meia copa, ou 3/4 de copa, que não servem para «disfarçar» as próteses… e os modelos que ainda se vendem de copa inteira, vulgo «soutien da avozinha», são geralmente horríveis, e podem nem existir num número que nos sirva.

Os soutiens são como os sapatos: não é pelo número que vamos lá. Os números e os tamanhos de copa são apenas uma indicação; na realidade, tal como nos sapatos, cada marca, cada modelo, cada tipo de tecido tem um efeito diferente, independentemente do que estiver afixado na etiqueta: não há mesmo outro remédio senão experimentar!

Resolvi, pois, dar um telefonema à Bra & Company, uma empresa formada por duas sócias, Madalena Ramos e Ana Rodrigues, com ateliers em Lisboa e Viseu. Quando andava à procura de soluções de bra fitting em Lisboa, tinha encontrado um artigo em que as duas sócias eram entrevistadas, e tinha-o guardado para referência; daí até encontrar o site e a página no Facebook foi um instantinho. Gostei em especial de algumas coisas que me chamaram logo a atenção nesse artigo: a noção de que estavam a procurar criar um espaço intimista (penso que o problema principal que a Dama de Copas tem com as pessoas transgénero é que os vastos salões deles são tudo menos «intimistas»…); o comentário de que cada modelo das marcas que eles representam pode ter até 100 (!) variantes diferentes, entre tamanhos e copas (compare-se isto com as variantes que existem, mesmo nas lojas ditas «boas», como a Dim ou a Triumph, que se tiverem uma dúzia de variantes por modelo, já é com muita sorte… normalmente têm muito, mas mesmo muito menos que isso); e que a sua especialidade era justamente nas mulheres «com curvas» (por oposição às supermodelos esqueléticas, lisas que nem uma tábua de engomar, e que usam 30A, para as quais as boutiques e lojas de lingerie em Portugal têm um stock infindável de soutiens… como se houvessem assim tantas mulheres portuguesas, pelo menos adultas, que usem o 30A!).

Atendeu-me logo a Madalena Ramos, e expliquei-lhe a minha situação, de que andava à procura de um serviço de bra fitting para marcas que tivessem modelos que me servissem, tendo em conta também as próteses — e, claro, para não sofrer reveses como da outra vez, perguntei logo se tinham algum problema com pessoas transgénero. Disseram-me imediatamente que não tinham problema absolutamente nenhum, e que podia lá ir quando quiser, pelo que tentei propôr algumas datas e horas… acabando por chegar à conclusão que me podiam atender imediatamente! Por isso lá fui…

Bra & Company de Lisboa fica no Centro de Escritórios de Negócios, um edifício mesmo na esquina da Av. 5 de Outubro com o largo das Picoas que dá para a Maternidade Alfredo da Costa e o Sheraton. Curiosamente, é um edifício que conheço mesmo muito bem. Uma das primeiras empresas com a qual trabalhei, e que estive mesmo para ser sócia, estava sediada nesse edifício; e um dos psicólogos que consultei para obter uma segunda opinião relativamente à minha disforia de género e depressão clínica grave também está aí instalado.

Ao contrário da vastidão (aparente, pelas fotografias) luxuriosa da concorrente Dama de Copas, a Bra & Company é um espaço realmente intimista, pequeno, com uma decoração simples, agradável, e luminosa. Há uma área separada por cortinados que serve para as pessoas se poderem vestir e despir em privacidade; e claramente trata-se de um espaço — semelhante em conceito à Amoena Portugal e à Casa Princesa, das quais já falei — em que o acesso é essencialmente por marcação, em privacidade, sem grandes «confusões» e misturas de clientela.

Como acontece em todas estas situações, eu tenho a tendência de falar pelos cotovelos (e pelos joelhos, e pelos tornozelos, e pulsos, e sei lá que mais…) pelo que, enquanto decorria a sessão propriamente dita, fiquei a conhecer um bocadinho mais sobre este espaço e a sua proposta enquanto empresa. A Madalena tem décadas de experiência em bra fitting, essencialmente no Reino Unido onde trabalhou durante muito tempo (embora seja licenciada em engenharia!). Isso deu-lhe uma abertura de espírito como não existe cá. No Reino Unido, ao contrário de Portugal (mas, estranhamente, da mesma forma que na Polónia…), não se tenta «encaixar» a cliente em meia dúzia de modelos, e esperar que fiquem bem. Em vez disso, cada marca — e cada loja — aposta numa vastíssima selecção de tamanhos e de copas, de modelos muito diferentes, cada qual preparado para situações bem específicas. Não há «apenas» push-up ou redutores; ou não se fica pelos balconettes só porque estão na moda (mas podem não servir a toda a gente). Há, pois, uma imensa vastidão de soluções, em diversas gradações de modelos e tamanhos, por vezes incrivelmente subtis a olho nu, mas que, sob o olho treinado da Madalena (e presumivelmente da sua sócia, que ainda não tive o privilégio de conhecer pessoalmente), podem ser adaptados com perfeição a qualquer pessoa e a qualquer tipo de corpo. A filosofia da Bra & Company, como empresa de consultoria em bra fitting, é que não há «corpos errados» e «corpos certos»; nem «melhores» nem «piores». Há, isso sim, soluções adequadas para cada tipo de corpo; e são as marcas e os modelos que têm de se adaptar aos corpos das mulheres, e não o contrário.

Com o olho treinado, a Madalena nem sequer precisou de tirar-me as medidas com uma fita métrica — acertou praticamente logo à primeira com o tamanho correcto. Depois foi um festival de trocas e mais trocas de modelos e variantes de modelos, à procura da solução «ideal». E posso dizer que em imensos dos casos eu já achava que tinha sido descoberta a solução «ideal», mas a Madalena não estava inteiramente satisfeita, e lá arranjava uma variante que tinha uma peçazinha mais à esquerda ou mais à direita, ou uma alça que corria de forma diferente, ou uma meia copa maior, um elástico um pouco mais forte…

Entretanto, com a conversa, percebi também que a Madalena tinha já trabalhado com a Dama de Copas, e que tinha havido, há alguns anos, uma mudança clara de gestão. Isto foi uma explicação provável para que a Dama de Copas, a início, não tivesse qualquer problema com pessoas transgénero, mas, neste momento, prefere optar pela sua exclusão — a mudança de gestão, ou de gerência, criou algumas mudanças de atitudes internas. Em consequência, perderam também algumas colaboradoras e funcionárias, insatisfeitas com a mudança. Foi mau para a Dama de Copas, mas bom para mim, pois passei assim a dispôr de um serviço de bra fitting que não discrimina ninguém!

fitting com próteses mamárias externas em silicone também não «assusta» as sócias da Bra & Company. Na realidade, têm imensas clientes que infelizmente foram submetidas a mastectomias, e que usam produtos da Amoena Portugal — empresa com a qual existe uma boa relação, visto lidarem com o mesmo público-alvo! É certo que as próteses adicionam um nível de complexidade ao fitting, nem que seja porque é necessário excluir as meias-copas e as copas a 3/4, que não cobrem totalmente a prótese. Mas também não é preciso ir logo para os «soutiens da avozinha»! Pelo contrário, os designers de soutiens modernos são capazes de criar modelos de copa inteira que, no entanto, têm profundidade para permitir o mesmo tipo de efeito que os plunge bras — ou quase — através de truques muito bem engendrados. Aliás, vi nos vários modelos que experimentei todo o género de «truques», muitos dos quais nunca tinha visto, nem sequer nos sites de venda de lingerie — como, por exemplo, uma solução incrivelmente engenhosa que coloca uma tira de um tecido mole semi-aderente (não parece ser silicone…) logo por baixo dos aros que sustentam os seios: consegue-se assim obter a rigidez e o suporte dos aros (indispensável para quem tenha de aguentar com 750g de prótese em cada lado…) sem magoar, porque o aro fica sobre esta tira e não sobre a pele, e, como «bónus», como essa tira é semi-aderente, o soutien não sai do sítio em que o colocámos… isto é uma tecnologia fantástica!

Era capaz de comprar metade do stock da Bra & Company, mas a minha conta bancária já vai todos os meses a negativos, e resolvi conter-me — limitei-me a dois modelos, um mais rendado e em preto, e outro com copas pré-moldadas (mas de uma forma absolutamente natural) côr de pele, que é mais flexível em termos de utilização. É mais ou menos assim que ele me fica:

Próteses dentro do soutien

Digo «mais ou menos» porque eu também o uso de formas diferentes: posso querer acentuar mais ou menos a linha da clivagem, e, nesse caso, o soutien assenta de outra maneira!

Os preços da Bra & Company não são os preços da loja dos chineses, nem da Primark, nem do Lidl… estamos a falar de produtos de uma qualidade que não se encontra nas grandes superfícies, mas apenas em lojas especializadas. Em consequência, os preços reflectem a qualidade dos produtos — estamos a falar de valores a rondar os €50, dependendo da marca e do modelo. Ora é preciso saber o que é que estamos a comprar com isto. Para já, obviamente, a consultoria de bra fitting é gratuita. Mas os soutiens também são reparados gratuitamente pela Bra & Company durante o seu tempo de vida: com o tempo, nem o melhor dos soutiens mantém a sua elasticidade original. Por isso é que têm os colchetes atrás: à medida que vão perdendo elasticidade, apertamos mais os colchetes. Mas quando se chega ao limite, que fazer? Deitar fora? Na Bra & Company podem cosê-los de forma a continuarem a ser usados durante mais uns tempos. Desta forma, e se forem bem tratados, estes soutiens podem durar vários anos (mesmo com utilização muito frequente) — garantindo-se, pois, que sejam sempre lavados à mãosecados longe do sol incidente; que sejam usados, no máximo, dois dias seguidos, ficando a repousar na gaveta por mais dois dias antes de serem usados de novo; e que sejam guardados de forma a não deformarem as copas (fundamental nos que têm copas pré-moldadas, por exemplo). Estas pequenas regras simples, conjugadas com um produto de grande qualidade, permite uma grande durabilidade ao longo de muito tempo.

Realmente a primeira coisa que notei ao usá-los é que não se nota que os estamos a vestir. Deixem-me tentar explicar melhor: já comprei soutiens até mais caros do que estes, mas infelizmente foram pela Internet, em tamanhos que não os correctos, e com um formato que não era o mais adequado. Assim, há sempre alguma coisinha que não está bem: um aro que magoa de um lado mas não do outro; uma alça que roça; o elástico que aperta nuns sítios e não noutro; o tecido que é rendinha fofa de um lado, mas que tem uma costura precisamente num ponto em cima da costela que magoa o tempo todo, etc. etc. etc. Em conclusão: por mais novo e pouco usado que seja, estamos sempre conscientes de que estamos a usar um soutien, porque há algures que o «sentimos». Pode nem doer, nem magoar, mas pelo menos sentimo-lo. Temos consciência que está lá!

Ora com os dois soutiens que comprei na Bra & Company isto não acontece. É difícil de explicar a ausência de sensação, que é praticamente completa. E no meu caso, com 750gr de próteses de silicone a pesar em cada uma das copas do soutien, não é um peso que possa ser completamente ignorado! Mas a verdade é que é como se não estivesse lá «nada»… ou melhor, há uma consciência da massa, do volume, da inércia… mas não do peso. É só quando retiro as próteses para as lavar, ao fim da noite, que subitamente me dou conta de quanto é que pesam! Quando estão dentro do soutien não se nota nada…

É uma sensação estranha, pois estou sempre à espera que alguma coisa caia ou saia do sítio — o peso, no fundo, está tão bem distribuído ao longo das alças, das correias, no fundo por todo o soutien, que a pressão que este exerce em cada ponto deve ser tão baixa que o nosso organismo não a «regista». Isto é engenharia aplicada à construção dos soutiens! Mas… e porque não? Porque é que haveremos de sofrer?

Devo dizer que já cheguei a fazer bra fitting na Amoena Portugal, o que supostamente deveria até ser mais fácil, pois eles têm modelos de soutiens exactamente modelados de acordo com as dimensões das próteses. Ora o meu problema é que, por diversas razões (a principal da qual se calhar é apenas a idade…), eu tenho algum desenvolvimento mamário próprio, e com isto, os soutiens da Amoena, apesar de serem «do meu número», já não me servem bem. Mas também os números acima estão grandes demais! Conclusão: os soutiens que tenho deles magoam-me nalguns pontos (nada de horrível, perfeitamente suportável mesmo ao final de várias horas, mas não é uma coisa que gostaria de sentir todos os dias…) e noutros já não «escondem» a totalidade da prótese. A culpa não é da Amoena: é minha!

No caso da Bra & Company, o fitting é feito de forma diferente: não interessa qual a quantidade de desenvolvimento mamário próprio, e qual é a quantidade de «enchimento» (sejam vulgares meias enroladas, sejam próteses sofisticadas em silicone), o fitting é feito de acordo com o que efectivamente se usa, o tamanho real, a forma real do peito — e não uma mera correlação de tamanhos tabelados que podem ou não corresponder à realidade. É certo que se eu engordar, emagrecer, tiver mais desenvolvimento mamário (é pouco provável, mas pode acontecer…), então também não há milagres, a Bra & Company pode fazer pequenos ajustes ao soutien, mas só até um certo limite!

Conclusão, fiquei fã 🙂 Sei que não sou a única, porque o que não faltam por aí são blogs de fãs de lingerie portuguesas, que já lá foram várias vezes, e que são muito mais entusiastas que eu — e também têm mais dinheiro disponível para gastar, bem entendido 😀 É que dada a variedade invulgar de modelos (e estão sempre a chegar mais…) é muito fácil perder a cabeça e querer levar a loja toda connosco para casa…

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