O meu casamento — uma opção, não uma imposição

Num outro site onde de vez em quando também participo, expliquei a alguém que se mostrou interessado em mim (vá lá saber-se porquê, acho que ele nem sabia que eu sou crossdresser) de que não ando aqui na ‘net para o engate, e que sou casada há 13 anos, e muito feliz.

Retorquiu-me dando a entender que quem pensasse que o casamento não permitia as “escapadelas” e as “voltinhas” era uma pessoa “dogmática” e com “imobilismo de ideias”.

Eis o que lhe respondi:

Não há nenhum “imobilismo” nem “dogma” quando duas pessoas, de livre vontade, tomam um compromisso entre si. Haveria, sim, “imobilismo” e “dogma” se alguma delas fosse forçada a tomar esse compromisso, seja por pressão social, seja por religião, seja por outra relação qualquer. Mas quando o compromisso é tomado de livre vontade porque as duas pessoas assim o desejam tomar, não é nem “imobilismo”, nem “dogma”, mas uma expressão profunda de respeito mútuo, companheirismo, cumplicidade, e profunda confiança um no outro, que entram numa relação com um único propósito: fazer o outro feliz.

Não há aqui nenhuma “regra”, nem nada nos foi “imposto”, ou é algo em que “acreditemos”. É apenas o fruto de um compromisso mutuamente assumido. E no nosso caso, somos pessoas de palavra; não entrámos nesta relação “a brincar” ou “por impulso” (porque nos apeteceu no momento!). Aliás, nem sequer passámos por aquilo que seria mais vulgar neste país: cerimónias ocas de sentido numa igreja, despesas com roupa e comes e bebes, festarolas, e sabe-se lá que mais está na moda para “celebrar” um casamento, que é esquecido uns meses (ou anos) depois quando começam a surgir problemas. Não fizemos nada disso, porque para nós isso são meramente sinais externos que nada nos dizem…

No nosso caso (como ainda por cima não somos católicos, nem sequer cristãos, mas meramente budistas…), a noção de casamento só faz sentido para nós se estamos realmente dispostos a assumir esse compromisso. Não é fácil, nem esperamos que outras pessoas concordem connosco. Não julgamos nem criticamos ninguém que tenha outra ideia de casamento; cada qual com a sua (estamos ainda num país livre!). Mas também recuso a noção de que quando duas pessoas dão a palavra de honra uma à outra que estão a assumir um compromisso, isso é ser “dogmático”.

Bem sei que os valores de uma conduta ética andam muito por baixo neste país — basta olhar para as classes que nos dirigem e para as “estrelinhas” da TV e das revistas sociais. Mas os valores morais dos outros não nos preocupam, apenas nos causam uma imensa tristeza e uma profunda compaixão pelos que sofrem. Preocupa-nos, isso sim, que nós estejamos a levar a sério os compromissos que assumimos. Sejam estes, sejam quaisquer outros.

Mais uma vez: “dogma” é quando alguém nos impõe um comportamento por alguma argumentação qualquer. Um compromisso mutuamente assumido, baseado apenas no respeito mútuo e desejo de fazer o parceiro feliz — e mais nada que isso — não é nenhum “dogma”.

E não desejo que ninguém “aceite” isto, ou sequer que respeite. Ficarei satisfeita com um reconhecimento de que há ainda algumas pessoas neste planeta que levam os seus compromissos a sério (pela única razão que os assumiram de livre vontade). Mas se nem sequer tiver esse reconhecimento, não faz mal. Não é o reconhecimento que me faz feliz!

%d